Diretor de ONG que atua na Tanzânia diz que crimes aumentaram após tradição virar comércio
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Kabula, Maria Chambranenge e Adam Robert sobreviveram a ataques na Tanzânia e são assistidos pela ONGUnder The Same Sun
A comercialização de poções e talismãs feitos com braços e pernas de albinos nos últimos anos transformou uma antiga crença popular em um mercado de luxo sombrio na Tanzânia.
Crentes na “medicina” dos curandeiros, a elite local paga milhares de dólares pelos produtos que, para eles, podem curar doenças e trazer sorte e prosperidade. Por trás desse comércio macabro, há ainda mais sofrimento do que se imagina, explica Don Sawatzky, diretor da ONG Under The Same Sun (Todos Sob o Mesmo Sol, em tradução livre), pois a maioria das vítimas é mutilada com requintes de crueldade.
— A mutilação é feita com a pessoa viva porque existe a crença de que a intensidade dos gritos aumenta a eficiência da poção. Quanto mais dor e mais a vítima gritar, mais eficiente a poção ficará, eles creem. "Eles são apenas albinos", dizem algumas pessoas. Eles não os veem como seres humanos.
Sawatzky diz que ninguém conhece, ao certo, a origem da crença em porções e talismãs feitos com partes do corpo de albinos, mas sabe-se que ela é muito antiga e que teve início em rituais tribais africanos.
Símbolo da luta contra o preconceito, cantor albino desabafa: “Tive que batalhar muito para ser aceito”
Desde 2007, no entanto, a ONG vem acompanhando um crescimento nos ataques desse tipo: criminosos decepam braços e pernas de pessoas com albinismo e os vendem diretamente para os consumidores ou para curandeiros que produzem as poções e talismãs.
— Grande parte da população tanzaniana, tanto do interior quanto das grandes cidades e com diversos níveis de educação, ainda acredita nesse mito. O problema ficou quando várias tribos que viviam isoladas tiveram contato com novas culturas e também se adequaram ao modelo de negócios global. O capitalismo pode explicar o aumento e a "produção em massa" desses considerados talismãs.
Para Sawatzky, as mutilações só não são ainda mais frequentes porque os valores dos membros são muitos altos e os compradores se restringem a uma pequena elite rica.
— O preço de uma única parte do corpo pode variar entre R$ 3.300 (US$ 1.000) e R$ 10 mil (US$ 3.000). Enquanto houver demanda, sempre haverá um mercenário ou outro feiticeiro com um facão nas mãos. Os consumidores são os únicos que mantêm essa demanda viva.
Assassinatos, mutilações, sequestros e outros crimes contra albinos já foram noticiados em 25 países africanos desde 2006 (veja mapa abaixo), quando a primeira morte foi registrada oficialmente na Tanzânia. De lá para cá, pelo menos 75 albinos foram mortos somente em território tanzaniano e 61 sobreviveram a mutilações. Muitas mulheres albinas também são vítimas de estupro, porque existe a crença de que ter relações sexuais com elas cura a Aids. Esses números podem ser ainda muito maiores, já que a maioria dos crimes acaba não sendo registrada.
Muitos pais abandonam as mulheres após o parto por acharem que a criança albina é uma maldição ou filha de um fantasma europeuUnder The Same Sun
Preconceito
Ainda que um albino não chegue a ser vítima de um ato de violência física, Sawatzky afirma que eles convivem diariamente com o preconceito.
— A verdade é que eles sofrem uma profunda discriminação e isolamento social em todos os níveis, seja na família, aldeia, na hora de receber educação, de conseguir emprego e até mesmo proteção. Muitos profissionais da saúde, por exemplo, têm medo de tocá-los por achar que eles são amaldiçoados.
O albinismo é uma condição genética, não contagiosa, que só acontece quando ambos os pais possuem o gene (mesmo que não sejam albinos) e o passam para o filho. A criança nasce com pouca pigmentação na pele e nos cabelos.
— É muito raro uma criança albina ser aceita plenamente. Muitas famílias escondem as crianças por vergonha, mas outras o fazem para protegê-las de ataques. É muito comum os pais esconderem os filhos com albinismo de estranhos.
Na América do Norte e na Europa, uma criança em cada 17 mil a 20 mil nasce albina. Já na Tanzânia esse número sobe para uma em cada 1.400. Estima-se que haja 33 mil albinos no país. Apesar da maior incidência da condição genética, o preconceito ainda é comum e começa desde cedo.
— A reação normal de uma família depois de dar à luz uma criança com albinismo é o choque. Na maioria dos casos, os pais abandonam as mães. Eles acreditam que a criança é uma maldição ou filha de um fantasma europeu. Em outros casos, a família participa do ataque contra a criança, para se livrar dela e ganhar dinheiro ao mesmo tempo.
A falta de instrução sobre a condição dos albinos é o principal fator que alimenta esse preconceito e o comércio de talismãs e poções, mas o desconhecimento vai muito além da África.
— Mesmo nos países "desenvolvidos", as pessoas sabem muito pouco sobre o albinismo. Eu desafio você a encontrar alguém que tenha estudado albinismo na escola, faculdade ou universidade. A maioria das pessoas não quer saber sobre os problemas associados à pele e à visão que os albinos podem ter.
O trabalho do governo para combater os ataques tem sido ineficiente, diz Sawatzky.
— É preciso oferecer mais proteção e fazer programas de educação para acabar com esses mitos, equívocos e receios na sociedade. Reintegração sem entendimento só irá recriar o problema. Demora várias gerações para acabar com a discriminação.
Fundada em 2008, a ONG Under The Same Sun atua na Tanzânia para levar educação e inclusão social às pessoas com albinismo. Apenas em 2014, 326 estudantes receberam apoio da ONG, sendo a maioria crianças do jardim de infância e 35 alunos de faculdade.
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