O
Comitê da ONU sobre os Direitos da Infância da ONU pediu nesta
quinta-feira à Igreja Católica que atue com maior resolução contra os
abusos sexuais de menores, um enorme escândalo que a Santa Sé é acusada
de ter tentado abafar.
"O exemplo que a Santa Sé precisa dar deve assentar um precedente.
Tem de marcar um novo enfoque", afirmou Sara Oviedo, integrante da
equipe de investigação deste comitê das Nações Unidas.
A investigadora fez seus comentários em uma audiência na qual, pela
primeira vez, uma delegação do Vaticano prestou explicações aos
especialistas do Comitê para os Direitos da Infância sobre os abusos
cometidos por religiosos católicos contra menores.
Oviedo denunciou que na gestão dos escândalos de pedofilia por parte da Igreja "se deu preferência aos interesses do clero".
"A Santa sé não estabeleceu nenhum mecanismo para investigar os
acusados de realizar abusos sexuais, nem tampouco para processá-los",
acrescentou.
Também criticou as medidas tomadas pelo Vaticano com os autores de
abusos sexuais contra crianças. Segundo ela, "as punições aplicadas
nunca parecem refletir a gravidade" dos fatos.
"Sabemos que ocorreram avanços", reconheceu, perguntando-se, no
entanto, se as crianças "têm a possibilidade de serem ouvidas, sobretudo
quando se trata de vítimas".
A ONU também pediu à delegação vaticana mais informações sobre os
membros e os objetivos da comissão criada pela Santa Sé em dezembro para
a proteção dos menores.
Por mais de uma década, a Igreja Católica se viu atingida por uma
série de escândalos de abusos sexuais cometidos por religiosos contra
menores, que começou na Irlanda e se estendeu para Alemanha, Estados
Unidos e vários países latino-americanos, como México.
Os abusos foram frequentemente acobertados pelos superiores dos
autores, que em muitos casos os transferiram a outras paróquias, em vez
de denunciá-los à polícia.
O Vaticano, que começou tomando a palavra na sessão desta
quinta-feira, defendeu sua gestão ante a ONU, ressaltando uma política
de luta contra a pedofilia "articulada em diversos níveis".
O embaixador do Vaticano na ONU em Genebra, Silvano Tomasi, lembrou
que a Santa Sé ratificou a Convenção de Direitos da Criança em 1990, e
seus protocolos - um deles relativo à pornografia infantil - em 2000.
Também afirmou, sem fornecer mais detalhes, que a Santa Sé formulou
uma série de diretrizes sobre o tema para facilitar o trabalho das
paróquias. Estas, além disso, desenvolveram recomendações para evitar os
abusos, disse o representante, citando a Carta de Proteção de Crianças e
Jovens adotada pela Igreja Católica americana em 2005.
Tomasi também ressaltou que legalmente a Santa Sé é responsável
apenas pela aplicação da convenção da ONU no território da Cidade do
Vaticano, onde vivem 36 crianças, uma posição muito criticada pelas
associações de vítimas.
Um argumento utilizado nesta quinta-feira, em declarações à Rádio Vaticano, pelo porta-voz Federico Lombardi.
O porta-voz explicou que, embora a Santa Sé seja parte da Convenção,
"a Igreja Católica, enquanto comunidade de fiéis católicos dispersos no
mundo, não é parte dela de nenhuma maneira, e seus membros estão
sujeitos às legislações dos Estados nos quais vivem e trabalham".
"Os abusos sexuais na Irlanda, ou os cometidos no seio do movimento
dos Legionários de Cristo, foram casos nos quais os países onde
ocorreram são competentes juridicamente", exemplificou.
Em dezembro, a Santa Sé se recusou a responder ao questionário
enviado em julho pelo comitê da ONU sobre dados das 4.000 investigações
eclesiásticas atualmente analisadas pela Congregação para a Doutrina da
Fé.
Lombardi justificou na Rádio Vaticano esta falta de cooperação,
alegando que estas investigações têm como base o direito canônico,
"muito diferente das leis civis dos Estados".
O Vaticano afirmou que continua recebendo cerca de 600 denúncias
contra sacerdotes todos os anos, muitas delas sobre incidentes cometidos
nas décadas de 1960, 1970 e 1980.
No mesmo dia desta audiência da ONU envolvendo a Igreja, o papa
Francisco criticou os vários escândalos de pedofilia, "uma vergonha que
faz da Igreja alvo de escárnio".
"Se estamos envergonhados? São tantos escândalos que não quero
mencionar individualmente, mas todo mundo conhece!", exclamou Francisco
durante a missa da manhã na residência de Santa Marta, em uma clara
alusão aos crimes pedofilia, mas também à corrupção por parte de padres
católicos nos cinco continentes.
"Esses escândalos, alguns que nos fizeram pagar tanto dinheiro: e é
assim que devemos fazer...", acrescentou, citando implicitamente a
indenização paga às vítimas desses crimes por algumas dioceses,
especialmente americanas.
Estes escândalos são "a vergonha da Igreja. Mas temos vergonha desses
sacerdotes, bispos, leigos?", questionou, acrescentando: "Essas pessoas
não têm uma ligação com Deus. Tinham apenas uma posição na Igreja, uma
posição de poder".
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