Credores da União consomem mais de 42% do orçamento. Dívidas comprometem seriamente investimento em setores essenciais.
Leia também :
por Luiz Carlos Azenha, Viomundo
O documento acima é oficialíssimo. Está nas páginas do Senado brasileiro. Leia a linha de número dois, sob Pago:
R$ 134 bilhões, 53 milhões, 618 mil e 451 reais.
É quanto você pagou em juros da dívida brasileira em 2012,
segundo o governo (mas há controvérsias, sobre as quais você vai saber
abaixo).
Agora leia a linha de número seis, sob Pago:
R$ 618 bilhões, 888 milhões, 549 mil e 837 reais.
É quanto você pagou em amortização/refinanciamento da dívida em 2012.
Uma enormidade, não?
Pois Maria Lúcia Fatorelli acredita que, se houvesse uma auditoria, o valor devido poderia ter uma redução de até 70%.
Por que? A ex-auditora da Receita Federal está certa de que
existem ilegalidades e irregularidades nas cobranças da dívida
brasileira.
Para benefício dos banqueiros e prejuízo dos contribuintes.
Escrevo “contribuintes” porque a dívida é paga com dinheiro
de nossos impostos. Tudo o que o Tesouro brasileiro faz é pendurar a
conta em nosso nome: “procura o gerente” e entrega uma montanha de
papéis assumindo que “devo, não nego, pago quando puder”. Com juros,
muitos juros, razão de viver dos bancos.
Aqui, uma pausa importante: a mídia corporativa não tenta
explicar tudo o que você vai ler e ouvir abaixo aos leitores, ouvintes e
telespectadores. Por que? Porque os bancos são grandes patrocinadores.
Por outro lado, mesmo os governos não gostam de falar do assunto. Quanto
mais transparência, menor margem de manobra para os acertos de
bastidores. Por isso, em geral os governos fazem de conta que o assunto é
muito árduo, muito difícil de entender e que você não precisa se
preocupar com isso. Ou seja, deve pagar a ficar quieto.
Mas, voltemos ao que interessa…
O poder dos banqueiros sempre foi imenso. Eles definem as
regras nas duas pontas: desde as condições de emissão dos papéis em que
prometemos pagar até as regras da cobrança.
Faturam com as comissões sobre as transações e com os juros.
Juros altos interessam aos banqueiros. Quanto maiores, mais eles recebem
emprestando ao governo.
E os cidadãos? Pagam a conta através dos impostos e ficam sem
os serviços públicos que o dinheiro dado aos banqueiros poderia
financiar. Sem o Metrô, os hospitais e as creches que o dinheiro gasto
em juros poderia financiar.
Sob o peso da dívida — grosseiramente, R$ 3 trilhões em
dívida interna e U$ 400 bilhões em dívida externa — o governo privatiza.
Aliás, “concede”. Entrega parte da soberania.
Entrega à iniciativa privada — cujo objetivo principal, como o
dos banqueiros, é o lucro — algo que poderia fazer, possivelmente mais
barato, com recursos públicos, se o dinheiro não fosse usado para pagar
ou rolar a dívida e os juros.
Concede portos e aeroportos. Facilita o acesso a recursos naturais. Em outras palavras, entrega o ouro.
Maria Lucia Fatorelli é coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida,
uma entidade que batalha para que o Brasil faça o mesmo que o Equador
fez, em 2007 e 2008. Aliás, uma experiência sobre a qual Maria Lucia
pode falar de cátedra. Ela foi convidada pelo presidente equatoriano
Rafael Correa a fazer parte da CAIC, a Comissão de Auditoria Integral da
Dívida Pública.
Resultado final? Boa parte da dívida equatoriana era ilegal.
Não havia provas, por exemplo, de que o governo tinha de fato recebido
os empréstimos pelos quais estava pagando. Ao fim e ao cabo, o
presidente Correia reconheceu apenas 30% da dívida. Curiosamente, 95%
dos bancos credores do Equador aceitaram fazer acordo com o governo e
renunciaram a qualquer ação nos tribunais internacionais.
O Brasil tem hoje uma dívida externa de cerca de U$ 440
bilhões. Uma fatia razoável é de empresas privadas, que tomam dinheiro
no Exterior. Mas Maria Lucia está certa de que a fatia pública desta
dívida externa, em caso de auditoria, teria um cancelamento tão grande
quanto a do Equador, dado que condições similares foram aplicadas ao
mesmo tempo nos dois paises por banqueiros internacionais e que, em
1992, parte da dívida dos dois países prescreveu.
Prescreveu? Prescreveu e continuamos pagando?
Para entender melhor, ouça o trecho da entrevista em que Maria Lucia fala a respeito de seu trabalho no Equador:
Durante a gravação Maria Lucia fez duas promessas.
Primeiro, nomear os bancos norte-americanos que, através do Banco
Central dos Estados Unidos, o Fed, controlam a taxa de juros que nos é
cobrada na dívida externa, a Prime: Citibank, Chase Manhattan, Goldman
Sachs, JP Morgan e Bank of America, entre outros. Já a Associação dos
Banqueiros de Londres tem peso decisivo na definição da Libor, outra
taxa importante no mercado.
A auditora também prometeu o gráfico abaixo:
A coluna azul é dos gastos sociais no Equador. A coluna vermelha é a do
serviço da dívida pública. Notem como ela foi invertida nos últimos
anos. É óbvio, mas não custa reafirmar: menos dinheiro pagando juros é
mais dinheiro disponível para gastos sociais e investimento em
infraestrutura.
Maria Lucia acha factível o Brasil fazer o mesmo que o Equador: “Se o
Brasil toma uma iniciativa dessas, ele encoraja outros paises a
enfrentar o esquema”. O “esquema” a que ela se refere é o sistema pelo
qual os banqueiros passaram a capturar fundos públicos para turbinar seu
poder no mundo.
No trecho seguinte da entrevista, ela explica que a origem da dívida
interna brasileira, de quase R$ 3 trilhões, se deu no Plano Real, quando
para combater a inflação o governo de FHC disparou a taxa de juros para
atrair dinheiro de fora.
Desde então, acusa Maria Lucia, o Tesouro brasileiro comete ilegalidade
ao emitir dívida para pagar juros, o que segundo ela é inconstitucional:
Maria Lucia Fatorelli também teve participação importante na Comissão
Parlamentar de Inquérito da dívida, realizada no Congresso (veja todos os detalhes aqui), que gerou denúncias enviadas ao Ministério Público Federal.
Na CPI, algumas informações importantes foram levantadas.
Por exemplo: quem são os detentores dos títulos da dívida?
“Pessoa física mesmo quase não aparece no gráfico”, diz ela.
Mais da metade da dívida está nas mãos dos banqueiros.
Ou seja, numa ponta eles incentivam o governo a gerar dívida e faturam
comissões vendendo a dívida; noutra, faturam com os juros da dívida. Que
bom negócio!!!
Outro detalhe impressionante diz respeito ao arranjo que existe para a venda dos títulos brasileiros.
“O Tesouro, quando emite os títulos, somente um grupo privilegiado de
doze instituições financeiras pode comprar esses títulos. Se eu, você,
qualquer brasileiro quiser nós vamos ter de comprar através de uma
corretora, de um intermediário”, conta Maria Lucia.
São os chamados “dealers”.
“Olha como o jogo funciona. O Tesouro emite. Se os juros não estão no
patamar que eles querem, eles não compram. Por isso é que são os
‘dealers’, eles é que mandam. Antes, eles já se reúnem e já repartem, de
tal forma que apenas um, no máximo dois vão participar de cada leilão,
para não ter concorrência! Tudo muito bem repartido. É um esquema que a
gente, quando descobre essas coisas… não é possível que a finança do
País tá desse jeito!”
A lista acima é a dos “dealers” a que se referiu Maria Lucia.
E como é definida a taxa Selic, a principal taxa de juros do Brasil?
Antes da trigésima sexta reunião do Comitê de Política Monetária do
Banco Central, houve uma consulta a “analistas independentes”.
Você que está nos lendo e paga a conta, foi consultado?
Ah, lógico que não.
Veja quem o BC ouviu, segundo Maria Lucia:
Caraca!, exclamaria você. Os banqueiros estão em todas as pontas do negócio.
Participam da emissão da dívida, influem nas taxas de juros e recebem a taxa de juros sobre a qual influem!!!
Estes são os motivos pelos quais Maria Lucia Fatorelli acredita num
grande abatimento da dívida brasileira em caso de auditoria:
ilegalidades, conflito de interesses e tráfico de influência, como
registrado acima.
Ela faz um resumo neste trecho da entrevista:
Maria Lucia Fatorelli suspeita que o governo federal esteja fazendo
manobras contábeis ao lidar com a dívida e, no curso delas, viola o
artigo 167 da Constituição, que não permite emissão de dívida para
pagamento de juros.
A suspeita nasceu assim: na tabela que aparece logo abaixo, está dito na
linha 2 que o Brasil pagou R$ 134 bilhões em juros da dívida em 2012. A
taxa média de juros no ano passado, de acordo com o próprio Banco
Central, foi de 11,72%.
Mas, aplicando a taxa ao estoque total da dívida interna e externa —
cerca de R$ 3,4 trilhões no início de 2012 — o número deveria ser muito
maior!
Nos cálculos de Maria Lucia, o total de juros pagos em 2012 deveria ter sido de R$ 398 bilhões.
E onde foi parar a diferença? O gato comeu R$ 264 bilhões em juros?
Na opinião da auditora, é a prova de que o governo emite títulos para pagar juros.
Com isso, parte substancial do pagamento de juros acaba na coluna “refinanciamento”.
Salta da linha 2 para a linha 6:
Maria Lucia Fatorelli insiste que isso contraria a Constituição.
“Fraude!”, insiste. No trecho da entrevista ela se refere à tabela acima:
Ao fim e ao cabo, segundo Maria Lucia, é o peso da dívida que acaba enfraquecendo o endividado Estado brasileiro.
Seria o motivo para as concessões de estradas, rodovias, portos e ferrovias anunciadas pelo governo Dilma.
Para fazer parecer que o problema não é tão grave quanto é, os cálculos
do governo sobre a relação entre a dívida e o PIB, a soma de todas as
riquezas produzidas no Brasil, considera a chamada “dívida liquida”, ou
seja, o governo desconta as reservas detidas pelo Brasil em dólares, de
cerca de U$ 400 bilhões, da equação.
Da mesma forma, quando o governo calcula o pagamento de juros como parte
do Orçamento, não inclui os juros que, segundo Maria Lucia Fatorelli,
estão “embutidos” no refinanciamento da dívida.
Seriam truques para fazer parecer que o problema não é tão grave quanto
é. Acabam mascarando o domínio dos banqueiros sobre o “sistema”.
É por isso que os dois gráficos abaixo, divulgados pela Auditoria da Dívida Cidadã
na internet, causam tanta controvérsia. Os governistas acham que só
deveriam ser considerados os R$ 134 bilhões oficialmente declarados como
juros pagos em 2012, não R$ 753 bilhões que são a soma de juros +
amortizações.
Ao concluir nossa entrevista, Maria Lucia Fatorelli diz que o crescente
grau de endividamento reduz a margem de manobra do governo e o empurra
para as privatizações, agora “de estruturas de estado”, não apenas de
empresas lucrativas, como aconteceu no período da privataria tucana.
Outro ponto controverso, já que petistas insistem que concessões não
equivalem à venda de patrimônio.
Maria Lucia opina que o Estado brasileiro hoje serve mais aos banqueiros
que aos cidadãos que pagam a conta. Outra opinião capaz de causar um
acalorado debate, mas desta vez na federação dos banqueiros, a Febraban,
que costuma dizer que os bancos prestam um serviço público, sem admitir
que fazem isso também às custas do dinheiro público.
Ouçam o trecho final da entrevista:
FONTE:
Leia também :
por Luiz Carlos Azenha, Viomundo
O documento acima é oficialíssimo. Está nas páginas do Senado brasileiro. Leia a linha de número dois, sob Pago:
R$ 134 bilhões, 53 milhões, 618 mil e 451 reais.
É quanto você pagou em juros da dívida brasileira em 2012,
segundo o governo (mas há controvérsias, sobre as quais você vai saber
abaixo).
Agora leia a linha de número seis, sob Pago:
R$ 618 bilhões, 888 milhões, 549 mil e 837 reais.
É quanto você pagou em amortização/refinanciamento da dívida em 2012.
Uma enormidade, não?
Pois Maria Lúcia Fatorelli acredita que, se houvesse uma auditoria, o valor devido poderia ter uma redução de até 70%.
Por que? A ex-auditora da Receita Federal está certa de que
existem ilegalidades e irregularidades nas cobranças da dívida
brasileira.
Para benefício dos banqueiros e prejuízo dos contribuintes.
Escrevo “contribuintes” porque a dívida é paga com dinheiro
de nossos impostos. Tudo o que o Tesouro brasileiro faz é pendurar a
conta em nosso nome: “procura o gerente” e entrega uma montanha de
papéis assumindo que “devo, não nego, pago quando puder”. Com juros,
muitos juros, razão de viver dos bancos.
Aqui, uma pausa importante: a mídia corporativa não tenta
explicar tudo o que você vai ler e ouvir abaixo aos leitores, ouvintes e
telespectadores. Por que? Porque os bancos são grandes patrocinadores.
Por outro lado, mesmo os governos não gostam de falar do assunto. Quanto
mais transparência, menor margem de manobra para os acertos de
bastidores. Por isso, em geral os governos fazem de conta que o assunto é
muito árduo, muito difícil de entender e que você não precisa se
preocupar com isso. Ou seja, deve pagar a ficar quieto.
Mas, voltemos ao que interessa…
O poder dos banqueiros sempre foi imenso. Eles definem as
regras nas duas pontas: desde as condições de emissão dos papéis em que
prometemos pagar até as regras da cobrança.
Faturam com as comissões sobre as transações e com os juros.
Juros altos interessam aos banqueiros. Quanto maiores, mais eles recebem
emprestando ao governo.
E os cidadãos? Pagam a conta através dos impostos e ficam sem
os serviços públicos que o dinheiro dado aos banqueiros poderia
financiar. Sem o Metrô, os hospitais e as creches que o dinheiro gasto
em juros poderia financiar.
Sob o peso da dívida — grosseiramente, R$ 3 trilhões em
dívida interna e U$ 400 bilhões em dívida externa — o governo privatiza.
Aliás, “concede”. Entrega parte da soberania.
Entrega à iniciativa privada — cujo objetivo principal, como o
dos banqueiros, é o lucro — algo que poderia fazer, possivelmente mais
barato, com recursos públicos, se o dinheiro não fosse usado para pagar
ou rolar a dívida e os juros.
Concede portos e aeroportos. Facilita o acesso a recursos naturais. Em outras palavras, entrega o ouro.
Maria Lucia Fatorelli é coordenadora da Auditoria Cidadã da Dívida,
uma entidade que batalha para que o Brasil faça o mesmo que o Equador
fez, em 2007 e 2008. Aliás, uma experiência sobre a qual Maria Lucia
pode falar de cátedra. Ela foi convidada pelo presidente equatoriano
Rafael Correa a fazer parte da CAIC, a Comissão de Auditoria Integral da
Dívida Pública.
Resultado final? Boa parte da dívida equatoriana era ilegal.
Não havia provas, por exemplo, de que o governo tinha de fato recebido
os empréstimos pelos quais estava pagando. Ao fim e ao cabo, o
presidente Correia reconheceu apenas 30% da dívida. Curiosamente, 95%
dos bancos credores do Equador aceitaram fazer acordo com o governo e
renunciaram a qualquer ação nos tribunais internacionais.
O Brasil tem hoje uma dívida externa de cerca de U$ 440
bilhões. Uma fatia razoável é de empresas privadas, que tomam dinheiro
no Exterior. Mas Maria Lucia está certa de que a fatia pública desta
dívida externa, em caso de auditoria, teria um cancelamento tão grande
quanto a do Equador, dado que condições similares foram aplicadas ao
mesmo tempo nos dois paises por banqueiros internacionais e que, em
1992, parte da dívida dos dois países prescreveu.
Prescreveu? Prescreveu e continuamos pagando?
Para entender melhor, ouça o trecho da entrevista em que Maria Lucia fala a respeito de seu trabalho no Equador:
Durante a gravação Maria Lucia fez duas promessas.
Primeiro, nomear os bancos norte-americanos que, através do Banco
Central dos Estados Unidos, o Fed, controlam a taxa de juros que nos é
cobrada na dívida externa, a Prime: Citibank, Chase Manhattan, Goldman
Sachs, JP Morgan e Bank of America, entre outros. Já a Associação dos
Banqueiros de Londres tem peso decisivo na definição da Libor, outra
taxa importante no mercado.
A auditora também prometeu o gráfico abaixo:
A coluna azul é dos gastos sociais no Equador. A coluna vermelha é a do
serviço da dívida pública. Notem como ela foi invertida nos últimos
anos. É óbvio, mas não custa reafirmar: menos dinheiro pagando juros é
mais dinheiro disponível para gastos sociais e investimento em
infraestrutura.
Maria Lucia acha factível o Brasil fazer o mesmo que o Equador: “Se o
Brasil toma uma iniciativa dessas, ele encoraja outros paises a
enfrentar o esquema”. O “esquema” a que ela se refere é o sistema pelo
qual os banqueiros passaram a capturar fundos públicos para turbinar seu
poder no mundo.
No trecho seguinte da entrevista, ela explica que a origem da dívida
interna brasileira, de quase R$ 3 trilhões, se deu no Plano Real, quando
para combater a inflação o governo de FHC disparou a taxa de juros para
atrair dinheiro de fora.
Desde então, acusa Maria Lucia, o Tesouro brasileiro comete ilegalidade
ao emitir dívida para pagar juros, o que segundo ela é inconstitucional:
Maria Lucia Fatorelli também teve participação importante na Comissão
Parlamentar de Inquérito da dívida, realizada no Congresso (veja todos os detalhes aqui), que gerou denúncias enviadas ao Ministério Público Federal.
Na CPI, algumas informações importantes foram levantadas.
Por exemplo: quem são os detentores dos títulos da dívida?
“Pessoa física mesmo quase não aparece no gráfico”, diz ela.
Mais da metade da dívida está nas mãos dos banqueiros.
Ou seja, numa ponta eles incentivam o governo a gerar dívida e faturam
comissões vendendo a dívida; noutra, faturam com os juros da dívida. Que
bom negócio!!!
Outro detalhe impressionante diz respeito ao arranjo que existe para a venda dos títulos brasileiros.
“O Tesouro, quando emite os títulos, somente um grupo privilegiado de
doze instituições financeiras pode comprar esses títulos. Se eu, você,
qualquer brasileiro quiser nós vamos ter de comprar através de uma
corretora, de um intermediário”, conta Maria Lucia.
São os chamados “dealers”.
“Olha como o jogo funciona. O Tesouro emite. Se os juros não estão no
patamar que eles querem, eles não compram. Por isso é que são os
‘dealers’, eles é que mandam. Antes, eles já se reúnem e já repartem, de
tal forma que apenas um, no máximo dois vão participar de cada leilão,
para não ter concorrência! Tudo muito bem repartido. É um esquema que a
gente, quando descobre essas coisas… não é possível que a finança do
País tá desse jeito!”
A lista acima é a dos “dealers” a que se referiu Maria Lucia.
E como é definida a taxa Selic, a principal taxa de juros do Brasil?
Antes da trigésima sexta reunião do Comitê de Política Monetária do
Banco Central, houve uma consulta a “analistas independentes”.
Você que está nos lendo e paga a conta, foi consultado?
Ah, lógico que não.
Veja quem o BC ouviu, segundo Maria Lucia:
Caraca!, exclamaria você. Os banqueiros estão em todas as pontas do negócio.
Participam da emissão da dívida, influem nas taxas de juros e recebem a taxa de juros sobre a qual influem!!!
Estes são os motivos pelos quais Maria Lucia Fatorelli acredita num
grande abatimento da dívida brasileira em caso de auditoria:
ilegalidades, conflito de interesses e tráfico de influência, como
registrado acima.
Ela faz um resumo neste trecho da entrevista:
Maria Lucia Fatorelli suspeita que o governo federal esteja fazendo
manobras contábeis ao lidar com a dívida e, no curso delas, viola o
artigo 167 da Constituição, que não permite emissão de dívida para
pagamento de juros.
A suspeita nasceu assim: na tabela que aparece logo abaixo, está dito na
linha 2 que o Brasil pagou R$ 134 bilhões em juros da dívida em 2012. A
taxa média de juros no ano passado, de acordo com o próprio Banco
Central, foi de 11,72%.
Mas, aplicando a taxa ao estoque total da dívida interna e externa —
cerca de R$ 3,4 trilhões no início de 2012 — o número deveria ser muito
maior!
Nos cálculos de Maria Lucia, o total de juros pagos em 2012 deveria ter sido de R$ 398 bilhões.
E onde foi parar a diferença? O gato comeu R$ 264 bilhões em juros?
Na opinião da auditora, é a prova de que o governo emite títulos para pagar juros.
Com isso, parte substancial do pagamento de juros acaba na coluna “refinanciamento”.
Salta da linha 2 para a linha 6:
Maria Lucia Fatorelli insiste que isso contraria a Constituição.
“Fraude!”, insiste. No trecho da entrevista ela se refere à tabela acima:
Ao fim e ao cabo, segundo Maria Lucia, é o peso da dívida que acaba enfraquecendo o endividado Estado brasileiro.
Seria o motivo para as concessões de estradas, rodovias, portos e ferrovias anunciadas pelo governo Dilma.
Para fazer parecer que o problema não é tão grave quanto é, os cálculos
do governo sobre a relação entre a dívida e o PIB, a soma de todas as
riquezas produzidas no Brasil, considera a chamada “dívida liquida”, ou
seja, o governo desconta as reservas detidas pelo Brasil em dólares, de
cerca de U$ 400 bilhões, da equação.
Da mesma forma, quando o governo calcula o pagamento de juros como parte
do Orçamento, não inclui os juros que, segundo Maria Lucia Fatorelli,
estão “embutidos” no refinanciamento da dívida.
Seriam truques para fazer parecer que o problema não é tão grave quanto
é. Acabam mascarando o domínio dos banqueiros sobre o “sistema”.
É por isso que os dois gráficos abaixo, divulgados pela Auditoria da Dívida Cidadã
na internet, causam tanta controvérsia. Os governistas acham que só
deveriam ser considerados os R$ 134 bilhões oficialmente declarados como
juros pagos em 2012, não R$ 753 bilhões que são a soma de juros +
amortizações.
Ao concluir nossa entrevista, Maria Lucia Fatorelli diz que o crescente
grau de endividamento reduz a margem de manobra do governo e o empurra
para as privatizações, agora “de estruturas de estado”, não apenas de
empresas lucrativas, como aconteceu no período da privataria tucana.
Outro ponto controverso, já que petistas insistem que concessões não
equivalem à venda de patrimônio.
Maria Lucia opina que o Estado brasileiro hoje serve mais aos banqueiros
que aos cidadãos que pagam a conta. Outra opinião capaz de causar um
acalorado debate, mas desta vez na federação dos banqueiros, a Febraban,
que costuma dizer que os bancos prestam um serviço público, sem admitir
que fazem isso também às custas do dinheiro público.
Ouçam o trecho final da entrevista:
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