Andrêi Iliachenko, especial para Gazeta Russa
Ilustração: Serguêi Iólkin
Os recentes acontecimentos na Ucrânia marcaram o início de uma nova fase nas relações entre a Rússia e o Ocidente. Dificilmente, as coisas vão acabar em conflito armado, mas a questão é por onde passará a nova fronteira entre a nova Rússia e a Europa.
O resultado da Guerra Fria foi a desagregação do bloco soviético. Os países da Europa Central e Oriental que haviam integrado a Organização do Tratado de Varsóvia foram posteriormente incorporadas à UE e à Otan - mas por algumas etapas. As antigas repúblicas soviéticas estão na fila.
Permanecem no Ocidente os temores de que o modelo da URSS poderia um dia renascer. Isso foi declarado publicamente por Hillary Clinton, em janeiro passado, quando deixava o cargo de Secretária de Estado dos EUA. A nova URSS poderia ser criada sob novas denominações, como União aduaneira ou União Euroasiática.
Não é surpresa que Moscou pretende reavivar os laços econômicos com as ex-repúblicas soviéticas. Porém, a Rússia faz fronteiras com dois centros econômicos mundiais, União Europeia e China, cujos mercados apresentam-se em uma escala incomparavelmente maior que os russos. É possível que Pútin até estivesse disposto a se unir a um desses gigantes econômicos na qualidade de parceiro equitativo. Mas nenhum deles jamais fez um convite nessas condições, e Moscou não tem intenção de se tornar um mero apêndice, fornecedor de matéria-prima.
Foi daí que surgiu a ideia do Espaço Econômico Único (EEP, na sigla em russo), um mercado comum de bens, capitais, serviços e mão de obra que a Rússia, o Cazaquistão e a Bielorrússia estão desenvolvendo. A Armênia e o Quirguistão estão se preparando para se juntar a essa estrutura, e os documentos para unificação deverão ficar prontos até maio. No entanto, sem a Ucrânia, com seus 45 milhões de habitantes e indústria desenvolvida, o EEP não terá um mercado do porte que permitiria concorrer com os outros centros econômicos.
Os Estados Unidos e a UE, que de forma constante foram atraindo a Ucrânia para sua esfera de influência, compreendem isso muito bem. O final desse processo deveria ter sido o acordo de associação com a UE, que impediria o caminho da integração com a Rússia. Mas a assinatura prevista para o final de novembro do ano passado na Cúpula da UE, em Vilnius, não se concretizou.
O presidente da Ucrânia, Viktor Ianukovch, que aparentemente tinha decidido barganhar um pouco mais, adiou a assinatura na esperança de receber um bônus da Rússia sob a forma de créditos e descontos no preço do gás. Porém, sob pressão das manifestações da Praça Maidan, das quais participaram aqueles que apoiavam a integração da Ucrânia à UE, Ianukovich cedeu o poder quase sem resistência. Os políticos que o substituíram restauraram imediatamente o vetor ocidental do movimento da Ucrânia, colocando Moscou diante de uma escolha crucial.
Os fantasmas sobre o renascimento da União Soviética que assustam os políticos americanos e europeus se materializam- na Rússia não só em forma de opressão econômica, mas também como problemas de segurança. Após a queda da URSS, o bloco da Otan se expandiu drasticamente pelos países da Europa Oriental e das antigas repúblicas soviéticas do Báltico, chegando às fronteiras da Rússia. De um modo geral, a esfera de sua atuação ultrapassou em muito os limites do Atlântico.
Os estrategistas russos nunca vão acreditar que não existe qualquer ameaça da parte da Otan e estão ainda mais preocupados com a perspectiva de alocação, sobre o território da Ucrânia, dos sistemas de defesa antimísseis americanos, que poderiam neutralizar por completo o principal trunfo militar da Rússia – os mísseis baseados em terra.
Por fim, também é difícil para Moscou se conformar com o fato de que a Ucrânia, que compunha juntamente com a Rússia a espinha dorsal da civilização Eslavo-Ortodoxa, passará para a influência da civilização ocidental. Considerando os contatos pessoais extremamente estreitos entre os habitantes dos dois países, que ao longo dos últimos 350 anos constituíram um único grupo, a saída da Ucrânia está se tornando um problema político interno de maior proporção.
Parece-me que o Ocidente compreende ser um fato extremamente desagradável para a Rússia e a anexação da Crimeia soa como se estivesse prevista. Caso contrário, seria difícil de entender a reação anêmica do Ocidente. A União Europeia abandonou as negociações com a Rússia sobre a facilitação do regime de vistos e a preparação de um novo acordo-quadro para cooperação. Mas já não é o primeiro ano que eles estão protelando isso. Enquanto isso, os EUA falam sobre sanções pontuais a vistos para oficiais russos. A cooperação militar entre os dois países foi cancelada, assim como a visita de quatro vigilantes sanitários russos aos EUA.
Ninguém quer arcar com os custos econômicos e fechar os canais de negociação com Moscou quando permanecem em aberto os problemas com a Síria, Irã e Afeganistão. Mas a Crimeia é apenas uma parcela da crise - e uma parcela não muito grande. Não está claro, por exemplo, que destino aguardam as regiões do leste da Ucrânia, onde também há muitos russos étnicos que não desejam se submeter a um governo pró-ocidental. Mas é muito mais importante entender como será o futuro desdobramento das relações entre a Rússia e o Ocidente, que levará à formação de uma nova ordem mundial.
FONTE:
http://gazetarussa.com.br/opiniao/2014/03/11/o_ultimo_sopro_de_guerra_fria_24579.html
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