Projeto que disciplina uso da internet sofreu resistência e governo precisou fazer ajustes; texto vai para o Senado
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira o projeto de lei do Marco Civil da internet, que estabelece direitos e deveres da rede mundial de computadores no Brasil. A matéria, que trancava a pauta da Casa desde outubro do ano passado, tem como princípio proteger a privacidade de internautas, garantir a proteção de dados pessoais e o tratamento de forma isonômica dos pacotes de internet comercializados, sem fazer distinção por conteúdo.
A matéria foi votada depois de muita divergência entre a base aliada e o governo federal, que precisou ceder, nos últimos dias, em dois pontos essenciais para levar a matéria ao plenário. Os embates, no entanto, não refletiram na votação de hoje: todos deputados retiraram tentativas de modificar o texto e apenas o oposicionista PPS votou contra. O projeto agora segue para votação no Senado.
O projeto do Marco Civil da internet, que tramitava na Câmara desde 2011, ganhou força no ano passado, quando o Palácio do Planalto pediu urgência constitucional para a matéria em resposta às denúncias de espionagem por agentes de inteligência dos Estados Unidos contra autoridades e usuários brasileiros. Com o status recebido pelo governo, o projeto passou a trancar pauta e impedir a votação de outras matérias na Casa.
O texto aprovado prevê uma série de direitos e deveres de usuários, empresas e órgãos públicos no uso da internet no Brasil, e estabelece princípios como a garantia à privacidade e à liberdade de expressão, além da chamada neutralidade da rede. Esse último ponto foi a principal fonte de divergência entre o Planalto e o PMDB. O líder do partido, Eduardo Cunha (RJ), ameaçou derrubar o projeto caso o texto não fosse alterado.
O princípio da neutralidade obriga empresas a tratar de forma igualitária os pacotes de dados, "sem fazer distinção por conteúdo, origem e destino, serviço, terminal ou aplicação". Ou seja, o artigo impede a comercialização de pacotes de internet para alguém acessar apenas e-mails e determinados sites, mas ficando proibido de assistir vídeos online, por exemplo. Por outro lado, os deixar a internet mais cara.
“Hoje, por exemplo, nada impede que a navegação do usuário seja gravada, identificada e vendida, violando a privacidade do usuário, isso com o Marco Civil não poderá mais acontecer. Hoje não a lei que garanta que não haverá cobrança para o uso diferenciado do acesso à internet, o Marco Civil proíbe isso”, ressalta o relator do projeto, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), sobre os principais pontos do texto.
Governo cedeu para votar projeto
Para acalmar a ala contrária ao texto da neutralidade da rede, o governo precisou mexer no ponto que previa a regulamentação das exceções da neutralidade da rede. Pelo texto, a Presidência da República decidiria, por meio de decreto, a degradação ou discriminação de dados em duas situações: quando indispensável para melhorar a prestação de serviços ou priorizar serviços de emergência. Por exemplo, vídeos ao vivo ou cirurgias por videoconferência ganham um tratamento melhor de conexão que e-mails.
O relator do projeto, deputado Alessandro Molon (PT-RJ), alegava que a criação de novos serviços na internet exigia uma regulamentação mais rápida, e não poderia depender do Legislativo e de alterações na lei. Após reuniões com lideranças partidárias, o governo aceitou incluir no texto a previsão de que a Agência Nacional das Telecomunicações (Anatel) e o Comitê Gestor da Internet (CGI) sejam ouvidos para a elaboração de decretos.
Outro ponto que o governo precisou ceder é o que poderia obrigar empresas a manter dados de usuários no Brasil. O artigo era de interesse da presidente Dilma Rousseff e buscava facilitar o cumprimento da legislação brasileira por companhias estrangeiras que atuam no País. Para garantir a vontade do governo, o texto passou a previsão de que as empresas que atuam no Brasil devem respeitar a legislação brasileira, os direitos à privacidade, a proteção de dados pessoas e o sigilo das comunicações privadas.
Após o governo ceder na neutralidade da rede, o PMDB desistiu de tentar derrubar a matéria e retirou todos os destaques que poderiam modificar o texto. O Palácio do Planalto tinha interesse em votar a matéria antes de abril para apresentar a nova legislação no NETmundial, evento sobre governança na internet que será sediado em São Paulo.
Relator diz que texto ficou melhor
O relator do Marco Civil, Alessandro Molon, minimizou as mudanças no texto pelo fato de os três pilares defendidos terem sido mantidos: neutralidade da rede, privacidade e liberdade de expressão. "A vitória é muito mais expressiva do que eu imaginava. Garantir a aprovação sem nenhum destaque é uma vitória", disse.
Molon comemorou o fato de o governo ter conseguido convencer partidos que eram contrários ao artigo que trata da responsabilidade do provedor por conteúdo gerado por usuários. Pelo texto do Marco Civil, o provedor somente poderia responder civilmente se, após decisão judicial, não tomasse providências para retirar alguma publicação questionada por algum internauta.
"São três anos de análise desse projeto pela Câmara, de debate com a sociedade, que permitiu que a gente fizesse um texto que eu considero muito melhor que o projeto originalmente apresentado", disse. "O governo federal sai daqui com um gol de placa marcado a favor do Brasil", afirmou.
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