Roberto Marinho foi um gênio, há que reconhecer.
Mas um gênio do mal.
Sua maior obra foi montar um esquema inviolável de manipulação dos poderes no Brasil.
As emissoras afiliadas, entregues a políticos amigos, como Sarney e
ACM, garantiram que no Congresso a Globo jamais seria questionada
seriamente.
Já sem ele, a obra de controle foi estendida à Justiça pelo Instituto Innovare, do qual falei aqui outro dia.
Na fachada, o Innovare premia anualmente práticas inovadoras no
judiciário em cerimônias às quais comparecem os juízes mais poderosos do
país, notadamente os do Supremo.
A aproximação, neste processo, dos Marinhos com os juízes é uma
aberração do ponto de vista ético e uma agressão ao interesse público,
dados os interesses econômicos da Globo.
Contar com juízes amigos é bom para a Globo e ruim para a sociedade.
Um dia Gilmar Mendes, por exemplo, terá que explicar por que concedeu
habeas corpus a uma funcionária da Receita flagrada tentando fazer
desaparecer os documentos da célebre sonegação – trapaça é a melhor
palavra – da Globo na Copa de 2002.
Uma passagem anedótica do Innovare junta Roberto Irineu Marinho,
presidente da Globo, e o juiz Cesar Asfor Rocha. Uma foto registra um
abraço cordial entre ambos numa premiação. Rocha presidia o STJ e era
cotado para uma vaga no STF, na gestão Lula. Acontece que chegou a Lula
uma história segundo a qual Rocha pegara uma propina para favorecer uma
empresa num julgamento.
O mais curioso é que Rocha acabou votando contra quem lhe deu “uma
mala de dinheiro”, segundo gente próxima de Lula. Investigado ele não
foi — nem pela Globo, nem pela Polícia Federal, nem por ninguém. Mas,
se manteve a alegada bolsa, perdeu a indicação. Rocha, sem problema
nenhum com a Justiça depois da denúncia, acabaria decidindo voltar
depois para a advocacia.
A melhor prática para a Justiça é absoluta distância da plutocracia
para que possa decidir causas com isenção e honestidade. (Investigar
juízes acusados de pegar uma mala de dinheiro também vai bem.)
O Innovare é a negação disso.
Que políticos frequentem barões da mídia é lamentável, mas comum mesmo em democracias avançadas como a Inglaterra.
Nos últimos 30 anos, na Inglaterra, Rupert Murdoch – o Roberto
Marinho da mídia britânica — foi procurado e bajulado por líderes
conservadores e trabalhistas, indistintamente. (Um deles, Tony Blair,
acabou estendendo a proximidade para a jovem mulher chinesa de Murdoch,
com a qual teve um caso que levaria ao divórcio de Murdoch.)
Mas se juízes frequentassem Murdoch uma fronteira seria transposta.
Jamais aconteceu. O juiz Brian Leveson não poderia conduzir as
discussões sobre novas regras para a mídia inglesa se privasse com
Murdoch.
Isto é óbvio, mas o poder prolongado da Globo a deixou de guarda baixa quando se trata de preservar a própria reputação.
O Innovare é um escândalo em si. E uma inutilidade monumental em seu propósito de fachada: melhorar a Justiça brasileira.
São dez anos de atividade. Quem poderá dizer que a justiça brasileira melhorou alguma coisa com o Innovare?
A Globo tem nas mãos como que um controle remoto com o qual comanda as coisas que lhe são essenciais no Brasil.
Vale a pena ver este vídeo
em que, no Senado, Roberto Requião mostra a busca frustrante que fez por
informações a respeito da sonegação da Globo. A certa altura, ele
pergunta se a Globo comanda o Senado, tais e tantas as dificuldades que
encontrou. Requião fez uma pergunta retórica, porque ele sabe a resposta
muito bem.
No futebol, um negócio de alguns bilhões por ano, a Globo teleguiou
durante décadas os homens fortes da CBF, Havelange primeiro e depois
Ricardo Teixeira.
‘Teleguiar” significou dar propinas, ou eufemisticamente,
“comissões”. O Estadão mergulhou num caso que está na justiça suíça,
relativo à Fifa. E escreveu numa reportagem: “Havelange recebeu propinas
de uma empresa para garantir o contrato de transmissão do Mundial de
2002 para o mercado brasileiro.”
Quem transmitiu? E que jornal ou revista investigou o caso? A Veja
não se gabava tanto de seu poder investigativo? Ou só vale para seus
inimigos?
A mesma lógica de ocupação manipuladora a Globo promoveu em sua fonte de receita – a publicidade.
Nos últimos dez anos, a Globo perdeu um terço da audiência, em parte
pela ruindade de sua programação, em parte pelo avanço da internet.
Mesmo assim, sua receita publicitária não parou de subir. Há uma
aberração no Brasil: com 20% do bolo de audiência, medido pelo Ibope, a
Globo tem 60% do dinheiro arrecadado com publicidade.
Ganhar mais publicidade com menos público é façanha para poucos.
O milagre, ou truque, se chama Bônus Por Volume, o infame BV.
Basicamente, quanto mais uma agência veícula na Globo, mais recebe.
Meu amigo Jairo Leal, antigo presidente da Abril, me disse que muitas
agências simplesmente quebrariam se não fosse o dinheiro do BV.
É claro que uma hora o anunciante vai se incomodar com o dinheiro
excessivo posto numa emissora que perde, perde e ainda perde
espectadores.
Mas até lá você – em boa parte graças ao BV – vai ver os Marinhos no topo dos bilionários do Brasil.
FONTE:
http://www.diariodocentrodomundo.com.br/o-controle-remoto-pelo-qual-a-globo-comanda-o-brasil/
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