Para cumprir promessa de entregar seis mil creches até o fim do mandato, governo compra prédios de PVC, uma solução emergencial que pode representar risco às crianças
Por Josie Jeronimo (josie@istoe.com.br)
A história da educação pública brasileira
está repleta de vexames patrocinados por gestores que buscavam saídas
fáceis e rápidas para problemas sérios e crônicos. As famosas escolas de
lata de São Paulo são um exemplo típico. Com o argumento da economia,
há 16 anos o ex-prefeito paulistano Celso Pitta encheu a cidade de
colégios feitos de latão. O que seria uma solução se transformou em
escândalo investigado pelo Ministério Público e Tribunal de Contas.
Marta Suplicy recebeu de Pitta a Prefeitura e não conseguiu acabar com
todas as escolas de lata, tema que foi assombrar sua campanha nas
eleições de 2008, como evidência de que as crianças pobres seguiam sem
acesso decente à educação.
PERIGO
Segundo o Instituto dos Arquitetos do Brasil, construção leve e sem base
pode não resistir a fortes chuvas e enxurradas. Apesar de o PVC não ser um
propagador de chamas, em caso de incêndio sua fumaça é altamente tóxica
Mesmo com toda a turbulência passada, o PT parece não ter aprendido a
lição. O governo volta a recorrer a um método heterodoxo, não testado o
suficiente, para cumprir às pressas uma velha promessa eleitoral
negligenciada. Nas eleições de 2010, Dilma Rousseff havia se
comprometido a entregar seis mil creches aos seus eleitores até o fim do
mandato. Como as creches não ficariam prontas até as eleições de 2014, o
governo decidiu inventar, substituindo as tradicionais construções de
alvenaria por modelos “padronizados”. Em alguns locais, as creches serão
feitas com uma mistura de PVC e concreto, mas a maioria das unidades de
ensino contratadas desde novembro de 2013 – três mil creches – será
feita de placas de plástico incrementadas com uma camada de fibra de
vidro.
A chamada técnica “sanduíche” será espalhada por todo o País, sem
levar em consideração as diferenças climáticas, de relevo e outras
intempéries que atingem um país de dimensões continentais. O Fundo
Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) apoiou-se apenas em uma
norma de qualidade usada em construções de pré-moldados do programa
Minha Casa, Minha Vida para autorizar a construção das creches de
plástico. Nenhum ensaio de “destruição” foi feito para verificar a
durabilidade das unidades de ensino, a resistência ao fogo e as
suscetibilidades a condições climáticas comuns no País, como chuvas
fortes e enxurradas.
Os problemas que as creches de plásticos poderão apresentar só serão
definitivamente conhecidos quando as unidades de ensino estiverem
totalmente prontas e em uso. Mas o projeto já desperta preocupações. O
TCU e o Instituto dos Arquitetos do Brasil apontam deficiências. A falta
de fundações estruturais nas creches pré-fabricadas pode expor as
crianças a risco, dependendo da área em que a escola for instalada. Há
risco de que o prédio leve e sem base não resista a fortes chuvas, por
exemplo. Até mesmo a queda de uma árvore pode ser perigosa. Técnicos
alertam que, apesar de o PVC não ser um propagador de chamas, em caso de
incêndio sua fumaça é altamente tóxica. “É um equívoco lastimável para
um País que quer entrar na roda do desenvolvimento. Criaram um padrão
fora das normas para encaixar o programa. Passaram para as prefeituras
um problema”, resumiu o presidente do Instituto dos Arquitetos do
Brasil, Sérgio Magalhães. Uma das escolas em construção no município de
Palmeiras, no Paraná, sofreu incêndio ao ser atingida por um raio. A
creche não contava sequer com rede elétrica e teve grande parte de sua
estrutura consumida pelo fogo.
Apesar de frágeis, as creches de plástico têm custo muito semelhante
às de alvenaria. Uma unidade padrão construída pelo método convencional
custa R$ 1 milhão e a do método misto usando PVC, R$ 900 mil. De acordo
com o TCU, o governo não apresentou nenhuma justificativa econômica para
a aquisição das creches pré-moldadas. O único critério para mudar o
projeto das escolas de alvenaria para as de plástico foi o menor tempo
de construção. O Instituto dos Arquitetos do Brasil afirma que foi feita
uma escolha política da rapidez em detrimento da qualidade, do conforto
e da segurança das crianças. “É um retrocesso. Esse tipo de construção
de PVC só vale para casos emergenciais”, afirma Magalhães.
Até o fim de 2013, apenas 1.103 creches da gestão Dilma haviam sido
concluídas e outras 4,7 mil estão na fila da burocracia, com obras
paralisadas. Mas com a adoção do chamado “método inovador”, a história
das três mil novas creches contratadas com recursos do FNDE, no âmbito
do programa Proinfância, será bem diferente. As empresas prometem
entregar em 60 dias uma creche pré-moldada.
Além da polêmica em relação à padronização de um material de
qualidade inferior para todo o País, o TCU questionou a concorrência que
dividiu entre apenas duas empresas paranaenses R$ 455 milhões em
recursos para erguer as creches em todos os Estados. Empreiteiras que
apresentaram método convencional de construção reclamaram que a
concorrência foi dirigida, favorecendo a MVC Soluções em Plásticos,
empresa que atestou ter experiência em pré-moldados por já ter feito
escolas de plástico em Moçambique, Angola e em municípios devastados
pelas chuvas na enchente de 2010, em Alagoas. A outra empreiteira que
ganhou fatia milionária foi a Casa Alta, de Bauru, que só cresceu no
ramo da construção civil ao migrar para o Paraná.
Fotos: Roberto Castro/GDF
FONTE:
http://www.istoe.com.br/reportagens/352402_AS+CRECHES+DE+PLASTICO
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