País adquiriu novo satélite e vai implantar um cabo de fibra óptica próprio para se comunicar com governo de países vizinhos para fugir da espionagem do governo norte-americano
Irritado com as recentes revelações de que os Estados
Unidos espionaram emails e telefonemas de brasileiros, inclusive da
presidente Dilma Rousseff, o governo brasileiro está acelerando seus
esforços para melhorar a segurança das comunicações na esperança de
preservar mais seus segredos.
Ao adquirir um novo satélite, obrigar burocratas em
Brasília a usar plataformas de email seguras e até implantar um cabo de
fibra óptica próprio para se comunicar com governo de países vizinhos, o
Brasil espera pelo menos reduzir a quantidade de informação disponível
para governos estrangeiros.
A crescente ênfase nas comunicações seguras é algo um
pouco difícil de vender num país famoso por seu jeito relaxado, sem
histórico de ser alvo do terrorismo internacional e há mais de um século
sem travar nenhuma guerra contra vizinhos.
As autoridades brasileiras também admitem enfrentar os
mesmos problemas de muitos outros países que ficaram incomodados com as
recentes revelações sobre a NSA. Ou seja, a implantação de novas
tecnologias é cara e difícil, e mesmo assim não há garantia de driblar
completamente a sofisticada rede de arrasto empregada pelo governo dos
EUA.
Mesmo assim, o Brasil está especialmente motivado para agir.
Mais do que a maioria dos outros países, o país sofreu
constrangimentos com os documentos revelados pelo ex-técnico de
inteligência Edward Snowden. Reportagem exibida no último domingo pela
TV Globo incluiu um documento com um diagrama mostrando comunicações
entre Dilma e seus principais assessores, o que seria parte de um
"estudo de caso" da NSA sobre seus poderes de espionagem.
Em julho, já havia vindo à tona a notícia de que a NSA
usava programas secretos de vigilância para espionar e-mails e colher
dados sobre telefonemas no Brasil e em outros países latino-americanos.
Em resposta a isso, o governo dos EUA disse monitorar os padrões de
comunicação a fim de detectar potenciais ameaças, mas que não bisbilhota
pessoas comuns.
Os burocratas que trabalham nos edifícios modernistas de
Brasília há anos já possuem serviços de correio eletrônico
criptografado, incluindo uma plataforma local chamada Expresso.
Mas só depois das recentes revelações muitos
funcionários perceberam seu valor, segundo Marcos Melo, gerente do
Serviço Federal e Processamento de Dados (Serpro), empresa estatal que
criou o Expresso e administra bancos de dados seguros para o governo.
"Agora as pessoas entendem o risco que você corre ao não
proteger suas comunicações", disse Melo. "Quando começamos a investir
no Expresso, há seis anos, disseram: 'Por que se dar ao trabalho de
desenvolver uma nova ferramenta se o Gmail existe e é grátis?'"
Céus controlados
A primeira onda de revelações sobre a espionagem, em julho, incluiu documentos mostrando que a NSA e a Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) mantinham conjuntamente estações de monitoramento de satélites em 64 países, incluindo uma em um bairro residencial de Brasília.
A primeira onda de revelações sobre a espionagem, em julho, incluiu documentos mostrando que a NSA e a Agência Central de Inteligência (CIA, na sigla em inglês) mantinham conjuntamente estações de monitoramento de satélites em 64 países, incluindo uma em um bairro residencial de Brasília.
Coincidência ou não, o Brasil tomou nas últimas semanas decisões importantes para ter mais independência em seus céus.
Em questão de semanas, o governo concluiu um processo de
seleção para a produção de um novo satélite a ser dividido por
autoridades civis e pelas Forças Armadas. A empresa vencedora foi a
Thales Alenia Space, consórcio liderado pela francesa Thales, principal
empresa europeia de sistemas eletrônicos de defesa.
A escolha coube à Visiona, nova parceria entre a estatal
de telecomunicações Telebras e a fabricante de aviões Embraer, com a
tarefa de administrar o novo satélite e desenvolver outros no futuro.
A escolha da Thales em vez de uma empresa dos EUA ou
Japão causou certo espanto entre alguns diplomatas em Brasília, que se
perguntaram até que ponto as revelações sobre a NSA estão por trás
disso.
O presidente da Telebras, Caio Bonilha, disse à Reuters
que o principal fator para a decisão foi o custo, e não preocupações de
que um satélite de fabricação norte-americana pudesse ser mais
suscetível aos programas de espionagem dos EUA.
No entanto, falando em termos mais amplos sobre recentes
ações da empresa, ele admitiu que "a segurança se tornou uma grande
preocupação".
Grande parte das comunicações no governo brasileiro,
inclusive dos militares, depende de um satélite pertencente a uma
companhia controlada pelo bilionário mexicano Carlos Slim. O Brasil não
pode nem controlar seu ângulo, muito menos a segurança dos seus canais.
O novo satélite a ser fornecido pela Thales será lançado
em 2016 na Guiana Francesa. O custo total, incluindo o satélite, o
lançamento e o seguro, será de 600 a 650 milhões de dólares.
Ele oferecerá acesso ao serviço de internet banda larga
em partes remotas do Brasil e ampliará a rede digital do governo para
todo o país.
Além disso, o Brasil começou a estabelecer conexões
diretas de fibra óptica com outras nações sul-americanas --o Uruguai já
foi conectado e a Argentina será a próxima-- para evitar que informações
entre governos passem por redes dos EUA.
"Quanto menos a sua informação viajar pelo mundo, mais segura ela estará", disse Bonilha.
O Serpro também espera que, em meio às atuais
preocupações, mais usuários adiram ao Expresso. Essa plataforma se
baseia em um programa de fonte aberta, o que, ao contrário do que se
pode pensar, garante mais segurança, já que o código é totalmente
conhecido e pode ser verificado quanto a atividades invasivas.
Já os softwares protegidos podem ter um código secreto
que oculte o acesso a dados por terceiros, o que Melo diz ser o caso do
Google, que nega que o governo dos EUA tenha acesso a informações
guardadas em seus data centers.
Depois das revelações de Snowden, a Comissão de Relações
Exteriores do Senado convocou executivos das filiais brasileiras do
Google, Facebook e Microsoft para deporem em uma audiência sobre a
possível colaboração dessas empresas com a NSA. As empresas negaram
veementemente qualquer envolvimento com a espionagem.
Mesmo sob as luzes brilhantes do Congresso, há pouca expectativa de proteção total contra a espionagem.
"A espionagem existe desde que as nações existem, mas
ela chegou a dimensões inimagináveis com a NSA", disse o presidente da
Comissão de Relações Exteriores, senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES), que
apoiou na semana passada a criação de uma CPI sobre a espionagem da NSA.
"Mas não nos enganemos. Por mais que façamos, jamais
será suficiente para impedir a vigilância eletrônica dos EUA, porque a
tecnologia atual é ilimitada."
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