O jornal O Estado de S. Paulo publicou, no dia 16 de setembro, um artigo assinado pelo Ministro de Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Mass, intitulado “Planos para uma nova ordem mundial”.
O artigo é muito interessante e, embora isso não seja mencionado de forma explícita em nenhum momento do texto publicado no Estadão, é nitidamente uma reação a um twitter de Donald Trump, de 10 de julho, onde o presidente estadunidense diz:
A União Europeia torna impossível para nossos agricultores, trabalhadores e empresas fazerem negócios na Europa (EUA tem um déficit comercial de US $ 151 bilhões), e então eles querem que nós possamos defendê-los com alegria através da OTAN, e ainda pagar muito por isso. Apenas não funciona!”
Trump
Como tudo na vida, as contradições interimperialistas têm base material e a resposta a Trump vem de forma contundente. O principal responsável pelas relações internacionais da Alemanha diz que é preciso denunciar as “fake news”, e argumenta que “o equilíbrio de conta corrente entre EUA e Europa abrange mais do que apenas o comércio de produtos, isso quer dizer que não são os EUA que têm um déficit, mas sim a Europa. E uma razão são os bilhões de lucro que as subsidiárias europeias de gigantes da internet como Apple, Facebook e Google transferem para os EUA anualmente”.
Este raciocínio termina com uma sutil – porém límpida – ameaça:
Assim, quando falamos em regras justas, também devemos falar de taxação justa de lucros como nesses casos”.
No terreno da geopolítica as desavenças, ainda mais entre aliados, costumam ser conduzidas de modo muito hábil – com a evidente exceção de Donald Trump – sem que cada lado deixe de mandar o recado necessário. Segue este padrão a parte do artigo em que o ministro alemão avisa que pretende abalar um dos pilares sagrados que sustenta a hegemonia americana no mundo: o papel do dólar como moeda universal:
é fundamental fortalecer a autonomia europeia estabelecendo canais de pagamento independente dos EUA, um fundo monetário europeu e um sistema ‘swift’ (de pagamentos) também independente.”
O ministro não deixa ainda de responder ao twitter de Trump no que se refere à Otan:
É de nosso interesse fortalecer a parte europeia da Otan. Não porque Trump está determinando novas metas percentuais, mas porque não podemos mais depender de Washington na mesma medida (…) Aumentar os gastos com a defesa e a segurança tem sentido a partir desta perspectiva.”
E critica o abandono do acordo com o Irão e a imposição de sanção ao país persa sem articulação com a Europa:
é de importância estratégica deixar claro para Washington que desejamos trabalhar juntos, mas que não permitiremos que passem por cima de nós e em nosso detrimento”.
O texto defende o multilateralismo, critica o afastamento dos EUA da ONU e informa que a Europa aumentou a ajuda aos refugiados palestinos, etc.
O artigo de fato aponta para o aumento das tensões entre os EUA sob a administração de Donald Trump e a União Europeia, mas nada nos permite um otimismo exagerado, pois os laços econômicos e os interesses estratégicos que unem estes dois atores são mais fortes do que as eventuais discordâncias.
Como disse o embaixador da Rússia no Brasil, Sergey P. Akopov, em recente encontro com representantes do PCdoB: “as contradições entre EUA e União Europeia existem, mas nada que possa nos alimentar ilusões”.
Isso fica claro no trecho onde o ministro alemão faz profissão de fé sobre a importância do poder militar conjunto da “Aliança Transatlântica”:
Em nenhum aspecto a união transatlântica é mais indispensável do que no campo da segurança. Seja como parceiros da Otan ou na luta contra o terrorismo, precisamos dos EUA”.
Por outro lado, o texto mostra que existe margem de manobra para que as nações defensoras de relações internacionais baseadas no respeito à soberania e à autodeterminação possam explorar – sem ilusões, como adverte Akopov – as fissuras entre Europa e os EUA de Trump.
O artigo do Ministro alemão, não por acaso, termina em alto estilo. Deixando claro, sem citá-lo, que está respondendo diretamente ao twitter de Trump de julho, Heiko Mass finaliza comentado que “será uma bela ironia (…) (se) os tuítes da Casa Branca realmente levarem a uma parceria equilibrada, a uma Europa soberana e a uma aliança global em defesa do multilateralismo”.
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