POR RODRIGO RODRIGUES
Maior autoridade brasileira na questão dos recursos hídricos e do
abastecimento de água, o professor Benedito Braga foi eleito em 2012 , o
Conselho Mundial da Água, com sede em Marselha, na França.
Professor da Escola Politécnica da USP, ele se diz muito preocupado
com a situação do sistema Cantareira, que nesta semana atingiu o pior
índice de reserva de água, chegando a apenas 21,2% da capacidade total
de fornecimento e armazenamento de água para a região metropolitana de
São Paulo.
Segundo Braga, a situação é “gravíssima” e um racionamento de água é “iminente” e pode começar a qualquer momento em São Paulo.
Ele critica a lentidão da Sabesp, a empresa governamental que
administra os recursos hídricos de São Paulo, na execução das obras que
trariam água do Rio Juquiá para a região metropolitana, que estão dois
anos atrasadas e devem ser entregues apenas em 2018 pelo governo de São
Paulo.
Ph.D. pela Universidade de Stanford (EUA) e responsável pelos
fóruns da ONU sobre a água nas reuniões de Haia e Kyoto, Benedito Braga
defende a adoção em São Paulo e no Brasil de políticas mais duras para
combater o desperdício em São Paulo.
“Precisa passar uma lei [na Câmara Municipal] autorizando a
municipalidade a multar a pessoa que desperdiça. Como foi feito na época
do apagão elétrico, em 2001. Naquela época, o brasileiro era limitado a
gastar energia com o máximo de 400 kWh por mês. Se você gastasse mais,
eles cortavam a sua energia por uma semana. Funcionou (…) É preciso
algo semelhante também para limitar o consumo de água”, justifica.
Confira a entrevista completa concedida por Benedito Braga ao Terra Magazine:
Com 21,2% da capacidade de armazenamento, o reservatório Cantareira enfrenta uma situação muito grave?
É uma situação bastante grave. Nós tivemos em 2012 e 2013 anos de
vazão de água neste reservatório abaixo da média, o que levou a essa
situação crítica que vivemos agora. O mais complicado é que em dezembro,
quando a chuva média é da ordem de 260 milímetros, choveu apenas 60
milímetros. Em janeiro, que a média é 270, mas choveu apenas 88
milímetros. Em fevereiro há uma previsão de que até meados do mês não há
previsão de chuvas pelo sistema do governo federal, ligado ao INPE, que
faz previsões meteorológicas. Então, é uma situação absolutamente
crítica e os paulistanos começam a sentir agora o que é viver no
Nordeste. A água passa a fazer parte da segurança pessoal. Ou seja,
respondendo objetivamente à sua pergunta: a situação é muito crítica.
O sistema Cantareira corre risco de colapso? O racionamento já é necessário?
Nós estamos num risco real de racionamento. Com os dados que temos
disponíveis já é possível dizer que haverá racionamento se a situação se
mantiver nesse estágio. Mas veja, previsão meteorológica hoje é muito
melhor do que era anos atrás, mas ainda há incertezas. Pode acontecer
que em fevereiro chova bastante e os reservatórios voltem ao normal. Mas
com as informações que nós temos da meteorologia, há uma iminência de
racionamento sério. Portanto, o cidadão tem que se conscientizar e fazer
sua parte. Tomar banho mais curto, não lavar o carro, não deixar
torneira pingando, não lavar a calçada. Economizar água de verdade.
Se a situação é tão crítica, na avaliação do sr o Governo
de São Paulo está dando respostas satisfatórias para o problema,
propondo apenas uma campanha de racionalização de uso com bônus na conta
de água?
Se nós pensarmos daqui para frente, é isso que tem que ser feito.
Não adianta chorar. É um caminho sem volta e correto, sem dúvida
nenhuma. Porque a situação é extremamente grave. Se você levar em conta
que se gasta uma média de 110 litros d’água num banho. E você pode tomar
um banho de 5 minutos com 40 litros. A economia que precisa ser feita é
da ordem de 30 litros por habitante por dia. O problema de todo plano
de contingência e da preparação para os desastres no Brasil está no
planejamento. É uma questão até cultural. No caso das enchentes, por
exemplo, todos os anos acontecem as mesmas coisas, mas a cidade se
prepara? Não. Nós não nos preparamos para o imprevisto da estiagem.
Talvez com o trabalho da mídia e os fenômenos meteorológicos recentes,
os governos comecem a se preparar. Previsão nós fazemos bem: tem radar
meteorológico, satélites, etc. Mas não há um plano. É tudo feito em cima
da hora. Portanto, acho que o que está sendo feito é o que deve ser
feito. Não tem nada errado. Mas, para a próxima seca ou inundação, nós
temos que ter um plano de contingência e ações mais rápido e eficiente
em São Paulo.
Então o sr quer dizer que a conscientização pública poderia ter começado antes pela Sabesp?
Pois é. Já havia lá em dezembro uma perspectiva muito preocupante,
quando choveu apenas 60 milímetros, quando a média é de 260. Fica tudo
na base do otimismo, achando que vai chover em janeiro. Janeiro também
não choveu e a gente agora está numa situação complicadíssima, porque as
previsões dizem que até meio de fevereiro não há expectativa de chuva.
Além disso, nós temos a questão da infraestrutura. Há três anos dei uma
entrevista para a revista “Istoé” dizendo que nós já estávamos atrasados.
Eu dizia que se não se fizesse as obras de transposição de água, iria
faltar para a população de São Paulo. A Sabesp está construindo um
sistema para trazer água do Rio Juquiá. O que deve resolver bem o
problema. Mas a previsão é só para 2018. Esse sistema já devia estar
pronto agora.
De quem é a culpa pelo problema: do Governo de São Paulo ou da Sabesp?
Não quero dizer que é um problema deste ou daquele governante. Mas
nós temos um sistema neste País de controle que vai além da
racionalidade. O órgão ambiental dá a licença, o Ministério Público vai
lá e caça. Isso atrasa a obra um, dois anos. É legítimo que o setor
ambiental cuide para que as obras sejam eficientes e impactem o mínimo
possível na natureza. Mas não é possível continuarmos num sistema tão
moroso e complexo para a implantação de infraestrura no País. É preciso
mais racionalidade. Isso vale não só em São Paulo, mas para a maioria
das obras do PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) no Brasil. Hoje
nós estamos aqui, passando por uma situação de um sistema que poderia
estar pronto mas teve 500 e tantas ações contra, que no final foi tudo
autorizado e só atrasou a obra.
Briga-se, briga-se e depois se releva tudo. Se é para proibir,
proibimos. Pronto e acabou. Partimos para um novo planejamento e novas
alternativas. Mas essa questão cultural da nossa alma luzitana de tentar
compatibilizar tudo e ser generoso é perverso para o problema da
infraestrutura. Não há um culpado específico aqui e ali. É todo um
emaranhado público que precisa ser simplificado para dar mais eficiência
ao Estado.
Incentivo monetário na conta é a única solução para
melhorar a relação do cidadão com o fornecimento de água? É preciso ter
mecanismos mais duros para o uso racional?
Sim. Nós não temos um mecanismo para multar o cara. Ele usa o
quanto quiser e paga por isso. Precisa passar uma lei, um decreto [na
Câmara Municipal], autorizando a municipalidade a multar a pessoa que
desperdiça. Como foi feito na época do apagão elétrico, em 2001. Naquela
época, o brasileiro era limitado a gastar energia com o máximo de 400
kWh por mês. Se você gastasse mais, eles cortavam a sua energia por uma
semana. Funcionou. Nós não tivemos apagão. Como a questão da água
encanada é uma questão municipal, defendo que os vereadores municipais e
o prefeito baixem uma lei ou decreto para limitar o consumo de água.
É um caminho correto? Em ano de eleição, o sr acha que o
governador e o prefeito teriam coragem de bancar uma proposta dessa
natureza?
Acho um caminho correto. É preciso autorizar a Sabesp a aplicar
multas e, se o cara não pagar a multa, cortar a água dele. Nós
precisamos dar o real valor que água tem. Aqui na região Sudeste e Sul
não se dá o valor que ela tem, como no Nordeste ou Norte do País. A
Sabesp está indo pelo lado inverso do copo, que é dar um bônus para quem
economizar. É interessante e correto. São os dois lados do mesmo copo.
O sr acha que o bônus de 30% de desconto que a Sabesp
propõe para economia de água, ao invés de aplicar multa, vai funcionar
em São Paulo?
Em 2004 nós tivemos uma situação semelhante e a Sabesp ofereceu o
mesmo incentivo e funcionou. A experiência brasileira mostra que é
possível ir por esse caminho. Agora, evidente que pode ser porque
naquela a temperatura abaixou. Mas foi muito sintomático. E as pessoas
economizaram. Conseguimos superar a crise. E os reservatórios naquela
época estavam na mesma situação…
Como a água é uma questão tão importante, essas campanhas da Sabesp precisam ser permanentes ou não?
Acho que sim. As agências reguladoras do setor de saneamento e água
tinham que ser mais eficientes, como as agências reguladoras do setor
elétrico. No setor elétrico colocou-se uma norma para a indústria que
até 2016 não haverá mais lâmpadas incandescentes sendo fabricadas.
Apenas econômicas. Ora, por que o setor de saneamento e água não pode
impor regulação para a indústria para reduzir uso de água? Trabalhar com
descargas que usam apenas seis ou oito litros de água. Equipamentos e
torneiras com menos vazão de água? É algo viável trabalhar com a
indústria para ter equipamentos mais eficientes no uso da água no
dia-a-dia.
Nós tivemos racionamento em 2004, agora em 2014 o problema retorna. O que fica de lição para os paulistas e paulistanos?
Água é um tema fundamental e importantíssimo. Nós na região Sul e
Sudeste nós não damos a importância que a palavra água tem, como os
moradores do Nordeste. Nós estamos começando ainda a dar importância que
esse recurso fundamental para vida merece. Principalmente na região
metropolitana de São Paulo, vai ficar cada vez mais complicado o
abastecimento daqui para frente. Nós temos que fazer as obras de
infraestrutura para aumentar a oferta de água. Não adianta falar em
racionalização ou conscientização apenas. Sem infraestutura não resolve o
problema. Porque vamos ter que ficar a vida inteira correndo atrás do
prejuízo. Os políticos precisam colocar na agenda deles a agenda da
água, com obras de infraestrutura, leis e campanhas permanentes de
incentivo e redução drástica de água. Cobrar é missão de todos os
cidadãos.
FONTE:
http://terramagazine.terra.com.br/bobfernandes/blog/2014/02/04/presidente-do-conselho-mundial-da-agua-diz-que-situacao-do-sistema-cantareira-e-gravissimo-e-racionamento-em-sp-e-%E2%80%9Ciminente%E2%80%9D/
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