sábado, 30 de agosto de 2014

Marina pode ser elo dos cristãos com o movimento gay. Com ela, cristãos e ativistas gays estreitarão relações e estabelecerão consensos, diz militante homossexual que é candidato do PT

Presidente licenciado da Associação dos Homossexuais do Acre, Germano Marino, 35 anos, é pai de santo na periferia de Rio Branco (AC) e candidato a deputado estadual pelo PT.
Germano Marino: pai-de-santo, militante homossexual e candidato do PT
Apesar de características que um evangélico supostamente abominaria, trabalhou durante quatro anos e nove meses no gabinete da ex-senadora acreana Marina Silva, candidata à Presidência pelo PSB.
Em 2007, ganhou um prêmio de direitos humanos do Grupo Arco-Íris como o melhor militante da causa gay no Brasil.
Marino conta que Marina jamais o discriminou por causa de sexualidade.
- Sou homossexual assumido desde os meus 14 anos de idade. Sou de religião de matriz africana, de candomblé, atualmente sou babalorixá, desde 2005, pai de santo, e tenho uma casa de santo aberta. Sendo evangélica, a Marina tinha os pastores que frequentavam o escritório dela e a gente convivia perfeitamente. Marina era aquele divisor que podia fazer com que houvesse diálogo e confraternização, sem haver o “diferente”.
Campanha eleitoral de ativista gay German Marino
Por causa da militância, no final de junho o muro da casa de Marino foi pichada com frases homofóbicas: ‘Vamos matar os gays' e 'Deus abomina os gays’.
- A Marina pode ser elo dos religiosos com o movimento gay. Nós podemos estreitar as nossas relações e estabelecer consensos.
O militante do movimento LBGT disse que a candidata Marina Silva tem sido alvo de campanha difamatória nas redes sociais desde que foi candidata à Presidência em 2010.
- É uma campanha sórdida feita por gente que realmente não conhece a Marina minimamente. Até parece que as pessoas não podem ter religião. Da mesma forma como sou  do candomblé, a Marina é da Assembleia de Deus.
O candidato a deputado estadual petista nega voto à candidata Dilma Rousseff.
- Vou votar na Marina. Não tenho receio de declarar isso. Sou filiado ao PT desde o ano 2000. Quando Marina foi candidata, em 2010, minha casa foi uma “Casa de Marina”. O PT nunca me proibiu. Ninguém nunca me questionou por isso e não será agora que isso vai acontecer.  Vou votar na Marina porque é muito difícil pedir para um acreano não votar nela quando temos a possibilidade real de tê-la na Presidência. Isso para mim extrapola a questão partidária.

Entrevista

Como você foi levado a trabalhar com a então senadora Marina Silva?
Eu era empregado doméstico e fazia um mês que tinha saído da casa de minha patroa, onde trabalhei e morei durante três anos. À época, fui chamado pela Yara Marques, assessora do então deputado estadual Ronald Polanco, do PT, atualmente conselheiro do Tribunal de Contas do Acre. Yara estava envolvida na campanha do Irailton Lima, que foi assessor da Marina. Trabalhei durante nove meses na campanha, me empenhei ao máximo, e a Marina decidiu me chamar para trabalhar com ela. Era um campanha feita na garra. Eu passei do ambiente de empregado doméstico para o universo da política. Não sou filho de nenhuma família tradicional. Minha família é pobre, meu pai é metalúrgico, de Minas Gerais, e minha mãe acreana. Nenhum dos dois nunca teve qualquer vínculo político. Somos muito pobres no aspecto financeiro e eu sou o irmão mais velho de seis filhos.
Ela já era evangélica?
Sim, já era da Assembléia de Deus. Trabalhei durante quatro anos e nove meses com ela e tive, digamos, um contato bem íntimo de participação do mandato naquele período. Frequentava a casa do seu Pedro, pai da Marina, das irmãs e da casa dela em Rio Branco.
Como ela lidava com o fato de você ser homossexual?
Em nenhum momento Marina me discriminou por causa da minha sexualidade. Sou homossexual assumido desde os meus 14 anos de idade. Sou de religião de matriz africana, de candomblé, atualmente sou babalorixá, desde 2005, pai-de-santo, e tenho uma casa de santo aberta. Sendo evangélica, a Marina tinha os pastores que frequentavam o escritório dela e a gente convivia perfeitamente. Marina era aquele divisor que podia fazer com que houvesse diálogo e confraternização, sem haver o “diferente”.
Em algum momento Marina tentou a sua conversão ou tentou convencê-lo a deixar de ser homossexual?
Nunca houve isso. A Marina nunca tentou me forçar, nunca conversou, nunca teve nenhum tipo de situação dessa natureza, pois nunca houve tentativa de exclusão de minha presença. Nunca teve um momento de chamado dessa natureza ou de persuasão para que eu professasse a fé dela ou para que eu deixasse de ser homossexual.
Alguma situação inusitada?
Sim. O Marcio Bittar, que atualmente concorre ao governo, quando foi candidato a deputado estadual, Wânia Pinheiro, da assessoria dele, decidiu realizar um evento para atrair a simpatia dos homossexuais. Fui chamado para ser o apresentador, vestido de drag queen. Eu estava no auge da campanha da reeleição da senadora Marina Silva. Falei com a senadora, expus o problema e perguntei se poderia ir ao evento do candidato de um partido adversário. Ela respondeu: “Germano, eu não sou dona da sua vida. Se você vai ou não, se vai se vestido ou não de drag queen, é você quem decide. Não tenho que lhe dizer se deve ir ou não. Você é que tem que pensar e decidir o que é melhor para você”. Achei aquilo impressionante e eu fui ao evento sabendo que não teria nenhum problemas, mas eu era da assessoria dela.
Dizem que ela é fundamentalista, intolerante com às causas do movimento LGBT…
Na trajetória dela como vereadora, deputada estadual e nos 16 anos como senadora,  Marina não propôs nem incitou projeto de lei que fosse contra as questões da causa gay, das religiões de matriz africana. Ela sempre soube separar o que é de foro íntimo do que é de foro coletivo. Jamais discriminou qualquer pessoa por ser gay ou por não pertencer à religião dela. Isso não é do perfil dela. Tem um texto bonito, de autoria da Marina, intitulado “A cor púrpura”, onde ela fala da sexualidade, de homossexuais, e conta que sempre teve amigos e amigas homossexuais e cita Caetano Veloso sobre ”a dor e a delícia de ser o que é".
Como explicar que ela não seja poupada de críticas por causa desse assunto?
O que tem havido é uma campanha difamatória desde 2010, quando ela concorreu à Presidência pela primeira vez. É uma campanha sórdida feita por gente que realmente não conhece a Marina minimamente. Até parece que as pessoas não podem ter religião. Da mesma forma como sou do candomblé, a Marina é da Assembleia de Deus. O prefeito de Rio Banco, Marcus Alexandre, petista, também é evangélico, mas nem por isso deixou de participar da solenidade de abertura da Semana da Diversidade.
Em algum momento a fé de Marina ajudou você?
Minha mãe é alcoólatra. Uma vez eu estava passando por um problema por causa disso. Falei pra Marina e ela perguntou se eu gostaria de conhecer o pastor dela. E fui conhecer o pastor, em Brasília. Quem foi comigo à igreja foi o Fábio Vaz, marido da Marina. O pastor dela tem o dom da palavra, faz profecias. Participei do culto, o pastor foi muito aberto comigo. Foi uma pessoa amiga e me deu um conselhos sábios. Quando voltei, ela perguntou como tinha sido e se tinha me servido. Falei que gostei, que tinha sido muito bom para mim. Nem por isso, ela me pediu para aderir à religião dela. Sei que muito amigos meus, militantes da causa gay no Brasil, que estão participando de campanhas difamatórias contra Marina, é por causa de seus laços partidários. A Marina pode ser elo entre os religiosos e o movimento gay. Nós podemos estreitar as nossas relações e estabelecer consensos.
Marina é sensível a isso?
Muito. As pessoas pegam no pé porque disse que o casamento ela aceita pela união de pessoas. O assembleliano nunca vai aceitar casamento de pessoas do mesmo sexo nas igrejas deles, como o catolicismo não aceita. Cada um estabelece as suas regras. Temos avanços mas não temos uma lei no Código Civil que possa fazer com que pessoas do mesmo sexo possam casar. Temos uma decisão do CNJ, temos projetos do governo federal, mas nós não temos uma lei que possa dar direitos iguais aos homossexuais. E olha que a Dilma assumiu o governo com apoio da maioria do Congresso. Por que as pessoas fazem essas exigências agora, que Marina é candidata à Presidência, e não fazem em relação aos demais candidatos? O movimento gay não foi tão exigente com Lula nem com Dilma. A Marina está sofrendo preconceito porque é assumidamente religiosa da Assembleia de Deus, porque é negra e porque é da região Norte do Brasil, do Acre. Ela já sofria isso quando senadora e ministra do Meio Ambiente. Ela está acostumada a vencer esses preconceitos e eu estou do lado dela para qualquer situação porque é muito ruim você ver um pessoa sofrer tanto preconceito e ser tão estigmatizada.
Vai votar em Dilma?
Vou votar na Marina. Não tenho receio de declarar isso. Sou filiado ao PT desde o ano 2000. Quando Marina foi candidata, em 2010, minha casa foi uma “Casa de Marina”. O PT nunca me proibiu. Ninguém nunca me questionou por isso e não será agora que isso vai acontecer. Vou votar na Marina porque é muito difícil pedir para um acreano não votar nela quando temos a possibilidade real de tê-la na Presidência. Isso para mim extrapola a questão partidária. Como vou pedir para um acreano não votar numa mulher negra, que nasceu pobre, que foi alfabetizada aos 16 anos, que superou doenças, e que pode ser a primeira mulher da Amazônia a receber a faixa presidencial? Temos muitos acreanos que estão no mesmo patamar de onde a Marina emergiu. Mas não é apenas porque sou acreano. Marina representa uma nova concepção de se fazer a política. Quando se tem boa vontade de se fazer mudança, todos os instrumentos e instituições mudam. Não adianta a gente ter um país apenas desenvolvimentista se a gente não pensar com o coração. A Marina sempre pregou a união de esforços, mas parece que tudo o que ela fez só está sendo enxergado agora, como se fosse uma novidade. Ela sempre foi assim. O movimento gay tem que enxergar na Marina um referencial de elo porque são os religiosos fundamentalistas que não deixam passar leis capazes de beneficiar com direitos iguais a popuação LGBT no Brasil. Todos nós temos o direito de ter uma religião. Ela é da Assembleia de Deus, eu sou do candomblé, outros são kardecistas etc. Nós estamos num estado laico. Eu, defensor das causas gays no Brasil, não vou discriminar Marina porque ela tem religião. Temos que parar com hipocrisia porque isso não é ser militante dos direitos humanos. A Marina não anda professando a fé dela. A Marina tem a fé dela, o que é bem diferente do candidato Pastor Everaldo. Ela não se intitula bispa ou pastora, apesar de tantos anos como religiosa. Ela não professa, ela é religiosa.
Como foi ter a casa pichada com as frases homofóbicas “Vamos matar os gays” e “Deus abomina os gays”?
Sou candidato a deputado estadual e quase desisti por causa disso.  Sou militante do movimento gay há dez anos. Foi a primeira vez que sofri uma ameaça tão grave. Existe uma onda crescente do machismo, do conservadorismo, e da violência contra os homossexuais. Amigos meus já foram assassinados ou sofreram agressões porque eram ou são gays. Já frequentei muita delegacia por causa desses casos, mas até então não tinha tido uma preocupação contra a minha própria vida, o que ocorreu agora. Ouvi da polícia que eu só voltasse à delegacia quando eu identificasse possíveis pessoas que fizeram a pichação ameaçadora. Não acredito que tenha sido uma ação de evangélicos nem de meus vizinhos, de minha comunidade, onde tenho boa reputação, e que é formada por católicos, evangélicos…
De dia você é a Mulher Maravilha, candidato a deputado estadual, em campanha, e de noite o pai de santo?
Quando eu era adolescente, antes de assumir que sou gay, eu sempre me identificava com as heroínas. Quando comecei a assistir a Liga da Justiça, sempre me identificava com a Mulher Maravilha, a defensora dos mais oprimidos, dos que necessitavam de justiça. Não sou um Tiririca do Acre. Não nasci palhaço, não toco minha vida vendendo humor. Eu me visto de Mulher Maravilha porque ela traz a simbologia de defender as boas causas. Claro que isso cria um cenário que leva alguns a pensarem que é um palhaçada, mas não é. E me fiz militante dos direitos humanos. Então tenho a liberdade hoje em dia de poder estar de Mulher Maravilha, independente das pessoas gostarem ou não. Gravei minha participação de trinta segundos no programa eleitoral do PT e foram os trinta segundos mais felizes de minha vida. Só na democracia isso é possível. É um direito que há alguns anos ninguém tinha esse direito. Posso nem ser eleito, mas só a liberdade de poder me vestir de Mulher Maravilha, sem ser licenciado dos espaços, já é uma vitória.
Divulgação: www.juliosevero.com
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