Com saúde vigiada por 20 anos, militares que atuam em rompimento de barragem da Vale dão sinais de alterações no sangue devido ao contato com rejeitos. Especialistas alertam para 'bomba de efeito retardado'
Bombeiros se reúnem para resgatar corpo em área atingida: convivência com a dor e o luto alheio também exige suporte - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press - 27/1/19
Não se escolhe ser bombeiro, se nasce bombeiro. A declaração é de uma integrante do efetivo que está em Brumadinho desde a tragédia de 25 de janeiro, todos mergulhados na lama da barragem da Mina Córrego do Feijão, da Vale. Heróis da vida real, eles também se tornam vítimas dessa tragédia diante do contato direto com rejeitos com altas concentrações de metais, que são um risco à saúde. No material, conforme especialistas, há seguramente a presença de ferro, manganês e alumínio, comumente encontrados nos rejeitos de minério de ferro. Mas existe também a possibilidade da presença de outras substâncias, como cobre, cromo, chumbo e arsênio. Agentes envolvidos nas buscas já começam a apresentar alterações em testes que indicam parâmetros de saúde e especialistas alertam para riscos da exposição a esses elementos químicos. Ameaças associadas à nutrição e ao risco de desenvolvimento de doenças a longo prazo.
Por esse motivo, o Ministério da Saúde anunciou que vai acompanhar pelos próximos 20 anos cerca de mil profissionais envolvidos no resgate e buscas às vítimas do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho: além de bombeiros, agentes da Força Nacional de Segurança, Defesa Civil e Ibama, entre outros. O estudo de coorte (conjunto de pessoas que têm em comum um evento que se deu no mesmo período) vai avaliar doenças que estejam relacionadas diretamente ao desastre, como a contaminação por metais pesados e leptospirose.
O primeiro passo do monitoramento será a coleta de amostras de sangue e urina, que seguirão para análise no Instituto Evandro Chagas, referência para essa ação. Caso seja necessário, outras instituições referenciadas poderão ser envolvidas. A ação terá a colaboração de instituições como a Fiocruz, as universidades federais de Minas Gerais (UFMG) e do Rio de Janeiro (UFRJ) e a organização Médicos Sem Fronteiras.
No fim de fevereiro, quatro exames feitos em bombeiros que trabalharam nas buscas e resgates já haviam mostrado alteração na quantidade de alumínio e cobre no sangue. Três exames se apresentaram alterados para o parâmetro alumínio e um apontou presença de cobre. No entanto, conforme nota divulgada pelo governo de Minas Gerais, a alteração nesses parâmetros não significa intoxicação aguda por esses metais e essas pessoas permanecem assintomáticas.
O comunicado assegura que “considerando o tipo de atividade de busca e salvamento realizado em Brumadinho, foi aplicado protocolo de monitoramento da saúde em todos os militares empenhados na zona quente, por meio da verificação da dosagem de metais no sangue e urina. Exames iniciais apontaram alterações, mas elas não significam intoxicação aguda por esses metais. Essas pessoas permanecem sem sintomas e seguindo o protocolo de monitoramento de saúde.
Continuam trabalhando, mas em outras áreas em que não haja contato direto com os rejeitos do rompimento da barragem. Justamente por isso é esperado que, após a interrupção do contato, os níveis de metal no organismo sejam normalizados.”
A nota ainda destaca que a análise do material ocorreu na Fundação Ezequiel Dias (Funed), onde são seguidos os protocolos próprios para esses casos. Entretanto, a análise de parte do material também é feita em parceria com o Instituto Evandro Chagas, do Pará, laboratório de referência nacional, que vai determinar os prazos para haver resultados.
A Funed informa que o monitoramento ocorre por meio de “exames de análises clínicas de rotina (complementares) que permitem monitorar o estado geral de saúde, funções hepáticas e renais, e também análises de metais em urina e sangue.” Mais de um mês após o rompimento da barragem da Vale, equipes de buscas continuam em ação em Brumadinho. Pela operação já passaram centenas de profissionais de Minas Gerais e de outros estados.
Risco dos males de longo prazo
O excesso de alumínio no organismo, segundo estudos recentes, mostra correlação com doenças como mal de Alzheimer, e alguns tipos de câncer. Pode haver alterações crônicas de problemas intestinais e casos de anemia. Diana Coulon, nutricionista integrativa funcional aiurvédica, afirma que esse é um assunto sério e que falta à maioria das pessoas, inclusive aos bombeiros, consciência da gravidade de como a saúde pode ser afetada. “Primeiro, o risco de desidratação em decorrência do esforço e desgaste causados pela exposição a uma situação extrema de calor e lama densa; segundo, a desnutrição, por que metais pesados se ligam a receptores hormonais, roubando o lugar de vitaminas e minerais essenciais à saúde, como iodo, cálcio, zinco, selênio etc.”
Conforme a nutricionista, o contato com metais como ferro e alumínio preocupa, porque “o ferro é um mineral oxidante, ou seja, tem grande capacidade de gerar estresse oxidativo em nossas células, fazendo-nos produzir mais radicais livres, substâncias relacionadas ao envelhecimento celular e doenças. O alumínio está associado a alterações do sistema nervoso central, demência e ao mal de Alzheimer”.
Ela alerta ainda que se entre os rejeitos for confirmada a presença de outros metais, como cromo, chumbo e arsênio, há risco de “infertilidade feminina e masculina, alterações hormonais, risco de lesão no fígado, fadiga crônica, alterações no funcionamento da tireoide, dificuldade de emagrecimento, demência e Alzheimer”.
Diana Coulon alerta que os bombeiros têm de estar atentos aos sinais que podem apresentar. “Os sintomas são amplos e podem aparecer a curto, médio ou longo prazo. Incluem dores de cabeça, insônia, síndrome do pânico, depressão, irritabilidade, impotência sexual, infertilidade, queda de libido, má digestão, cansaço, ganho de peso, etc. Se for o caso de intoxicação aguda, a pessoa pode ter febre, mudança abrupta de comportamento e irritabilidade, por exemplo”.
É recomendável também atenção com a alimentação. Diana Coulon afirma que existem plantas, fitoterápicos e substratos naturais essenciais para ajudar a prevenir distúrbios, como as ervas coentro, alecrim, salsão e cavalinha, clorella e spirulina e o carvão ativado. “É importante que esses bombeiros também sejam monitorado nutricionalmente, não só pelo contato com o rejeito, mas também pelo trabalho intenso que exercem brilhantemente”, alerta a especialista.
Diana afirma que é preciso alertar todos que estão em contato com o rejeitos: “É uma situação extrema, chocante e que dói em todo mundo. Minha grande preocupação é qual a consciência que as pessoas têm sobre os riscos do contato com os metais e o que farão para eliminá-los. É muito sério e não pode ser deixado de lado. Afeta a saúde presente e futura de todos.”
Cuidado físico e mental
A máquina física (o aparelho motor) e a mente dos bombeiros envolvidos nos trabalhos em Brumadinho também são uma preocupação. Anderson Coelho, presidente do Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da 4ª Região (Crefito-4), conta que fisioterapeutas têm feito intervenções baseadas em recursos terapêuticos manuais, uma vez que o tipo de operação desenvolvida pelos militares e suas respectivas necessidades de saúde funcional requerem um atendimento fisioterapêutico imediato, de caráter preventivo e recuperativo, e a terapia manual propicia resultados mais rápidos.
“Temos feito reajustes biomecânicos e musculares para prevenir lesões e restabelecer força, potência e a eficiência físico-funcional dos bombeiros, evitando fadiga e melhorando a performance e o desempenho”, afirma.
Conforme Anderson Coelho, o trabalho foi organizado com escalas semanais, com o envolvimento de 14 fisioterapeutas civis e os fisioterapeutas militares do Hospital da Polícia Militar. Ele explica que os principais quadros observados são fadiga, espasmos musculares e dores de exaustão física. “Consequência da jornada extenuante em uma condição de terreno instável e irregular, que exige esforço físico muito grande. O afundamento de membros inferiores na lama requer um esforço físico concêntrico constante. As consequências são dores muito fortes nas pernas e pés, sobretudo na coluna vertebral, devido ao trabalho e ao peso do equipamento, mochila e roupa específica, e à flexão de cabeça para fazer buscas.”
Suporte psicológico Já o médico psiquiatra Maurício Leão Rezende, vice-presidente da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais (Fhemig), alerta que a saúde mental passa não só pela bagagem genética como pela qualidade de vida de cada um. Fatos traumáticos que incidem sobre a genética dependem da constituição e da capacidade de resiliência diante de um ambiente hostil: “Os bombeiros são treinados e capacitados a viver num cenário, quase sempre, de tragédia. Mas também são seres humanos e, num primeiro momento, não se pode falar em ausência de influência, já que seria tirar sua capacidade humana de sentimentos, crenças e valores.”
Por outro lado, alerta, diante da tragédia de proporção inigualável em Brumadinho, esses profissionais, ainda que haja renovação de contingentes, vivem um dia a dia de desgaste emocional e excesso de trabalho ao lidar com o sofrimento humano e a fragilidade da vida. “Óbvio que, com o tempo, o cansaço e o desgaste podem ter incidência de fragilizações, podendo apresentar desde quadros depressivos, ansiedade, alteração do sono até reações psicossomáticas”, alerta o especialista.
Maurício Leão Rezende explica que viver o sofrimento de quem está no entorno acarreta outra carga aos bombeiros que é “satisfazer tantas expectativas, já que são heróis e também mensageiros de más notícias”. “É um período extremo de emoções. Por isso, é indispensável que eles tenham um acompanhamento de profissionais com capacidade para ouvir e lidar com essas emoções, com quem possam falar, que tenham esse espaço para elaborar suas vivências.”
AFASTADOS
A Vale informou ontem que, em reunião realizada na quinta-feira, a Diretoria Executiva decidiu acatar todas as recomendações da força-tarefa que apura o rompimento da Barragem da Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho.
Com isso, o gerente-executivo de Governança de Geotecnia Corporativa, Alexandre Campanha, a gerente de gestão de Estruturas Geotécnicas, Marilene Araújo, o gerente-executivo de Planejamento e Programação do Corredor Sudeste, Joaquim Toledo, o gerente-executivo do Complexo Paraopeba, Rodrigo Melo, e o geólogo vinculado à Gerência Executiva de Planejamento e Programação do Corredor Sudeste, César Grandchamp, serão afastados definitivamente da empresa. Outros cinco funcionários serão realocados em outras funções.
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