O financiamento do samba-enredo da Beija-Flor por um ditador africano
é só mais uma particularidade de uma festa que é montada em cima de um
esquema corrupto há muito tempo.
“Um griô conta a história: um olhar sobre a África e o despontar da
Guiné Equatorial” é o nome da música feita para homenagear Teodoro
Obiang Nguema, “presidente” daquele país há 35 anos.
Fã do carnaval carioca, Nguema é assíduo da Marquês de Sapucaí.
Segundo a Forbes, é o oitavo governante mais rico do mundo, apesar do
sua nação ser uma das mais pobres.
Observadores nacionais e internacionais consideram seu regime
corrupto, etnocêntrico e opressivo. Há apenas um partido. O jornalista
americano Peter Maas definiu Obiang como “o pior ditador da África”.
Comparações com Idi Amin Dada são comuns. Ele mesmo espalhou os boatos
de que é canibal, como fazia Idi Amin, para aterrorizar seus
adversários.
Obiang teria desembolsado entre 5 e 10 milhões de reais,
oficialmente. Para quem tem, de acordo com a Forbes, 600 milhões de
dólares, é troco de pinga.
“Lamentamos a tentativa de relacionar este enredo com outros já
apresentados pela Beija-Flor de Nilópolis. O tema tem viés estritamente
cultural e não aborda o formato de governo do país”, disse a Beija Flor à
BBC Brasil. “Buscamos enaltecer a arte e a força do povo da Guiné
Equatorial. Bem como a transformação dos benefícios das suas riquezas
naturais em melhorias para a população”.
Balela. O fato é que “o maior espetáculo da Terra” é um monumento à pilantragem e Obiang é um novo retrato na galeria.
Nos últimos 40 anos, os bicheiros tomaram conta das escolas e
transformaram o desfile. Castor de Andrade, à frente da Mocidade
Independente de Padre Miguel, Anísio Abraão David, da Beija-Flor, e Luiz
Pacheco Drumond, da Imperatriz Leopoldinense, investiram grana e
conseguiram, entre outras coisas, sair da clandestinidade para as
coberturas na Zona Sul.
Apesar de operarem na ilegalidade, nunca foram realmente incomodados
pelas autoridades. Volta e meia um deles é preso com estardalhaço, finge
que se aposenta e coloca um testa de ferro em seu lugar.
O caldo de quem banca o Carnaval carioca é diversificado. A Globo
paga pelos direitos exclusivos. Há ainda uma verba da prefeitura, outra
do estado e outra do governo federal. Arrecada-se com bilheteria. Em
2010, foram 42 milhões, divididos entre as doze agremiações do grupo
especial.
O patrocínio do enredo já levou as escolas a falar de cerveja,
companhia aérea, Hugo Chávez, Portugal, cacau, cabelo (!?). Com os
milhões na mesa, os autores se viram.
As escolas não prestam contas. Quando vai se mexer nisso? Jamais.
Em 2012, Marcelo Freixo, então candidato do PSOL a prefeito, declarou
que a Secretaria Municipal de Cultura deveria assumir o controle da
coisa e transferir recursos se houvesse “contrapartida cultural”.
Freixo citou o caso do Salgueiro, que foi patrocinado pela revista
Caras. “Que sentido faz a prefeitura patrocinar um enredo sobre a Ilha
de Caras?”, questionou na TV, corretíssimo.
A liga das escolas reagiu prontamente com um certo “Manifesto a favor
da plena liberdade de expressão”. Políticos — que vão ao Sambódromo —
chamaram a iniciativa de “autoritária”, “dirigista” e por aí vai.
Seja lá o que Freixo quis dizer com “contrapartida cultural”, não deu
tempo de explicar. A proposta sumiu na avenida para nunca mais ser
vista.
Este não será o último carnaval de Teodoro Obiang Nguema e nem de
outros ditadores que queiram colaborar com essa festa tão linda,
olê-olá, meu povo, bumbum paticundum prucurumdum.
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