terça-feira, 9 de dezembro de 2014

Acordo centenário europeu abriu caminho para criação do E.I.

"E ouvireis de guerras e de rumores de guerras;..." Mateus 24:6

08 de dezembro de 2014.


Por mais que possam temer ou detestar o mensageiro, há pelo menos um objetivo declarado do violento Estado Islâmico com o qual muitos no mundo árabe concordam: o desmantelamento final efetivo do Acordo Sykes-Picot. Foi esse acordo, redigido em segredo por dois burocratas de médio escalão, um britânico e um francês, no início de 1916, que serviu de molde para o imperialismo no Oriente Médio e para o estabelecimento das fronteiras artificiais que se revelaram tão insustentáveis hoje.
Para entender plenamente a profundidade do ressentimento árabe em relação ao Sykes-Picot, é importante lembrar outro acordo secreto forjado apenas alguns meses antes. Em outubro de 1915, com o fracasso do esforço de guerra britânico em quase toda parte, o administrador político chefe do Egito britânico, Henry McMahon, concluiu um pacto com Emir Hussein, governante da região de Hejaz na Arábia, para levantar um motim árabe contra os otomanos, em troca de uma futura nação árabe independente que abrangesse praticamente todo o Oriente Médio.
Porém, mais tarde, sob o acordo Sykes-Picot, quase todas as terras árabes que tinham qualquer valor econômico ou político foram divididas entre a Inglaterra e França. Nem é preciso dizer, nenhuma menção a esta revisão foi feita para Hussein. Depois que a traição foi revelada na Conferência de Paz de Paris de 1919, nacionalistas árabes enfurecidos iniciaram motins contra o Ocidente em um arco que se estendia, quase ininterrupto, desde o Marrocos controlado pela França até o Iraque controlado pela Inglaterra. O que acontece hoje no Oriente Médio é uma onda de repúdio generalizado contra os estados-nação artificiais impostos pelo Sykes-Picot.

O que poderia ter acontecido se a Inglaterra não tivesse implementado o Sykes-Picot, mas, em vez disso mantivesse a sua promessa de independência árabe? Quase certamente não se teria criado - pelo menos não de forma duradoura - a nação árabe unificada que Hussein imaginava. Um das forças paradoxais do Império Otomano era sua própria falta de uma autoridade central; era um sistema em os territórios de etnias e minorias étnicas distantes do império desfrutavam de um grau extraordinário de autonomia.

O resultado foi um abismo de experiência e história em todo o mundo árabe --Beirute em 1919 era tão sofisticada e cosmopolita quanto qualquer cidade europeia, ao mesmo tempo que a escravidão ainda era praticada na Arábia- isso teria derrotado rapidamente as ambições de Hussein ou de qualquer outro aspirante a uma nação árabe unificada. Com a pressão adicional de modernização criando diferentes bases de poder político e econômico, o resultado teria sido uma divisão inevitável da região entre as partes que a compunham.

Talvez não fosse surpresa que muitas dessas divisões ocorressem ao longo das rachaduras há muito tempo reconhecidas pelos otomanos. Sem a criação do Iraque, imposta pela Inglaterra, a região de Basra, de maioria xiita, teria se tornado um enclave rico em petróleo independente semelhante ao Kuwait, enquanto a região de Bagdá, de maioria sunita, seria o vizinho pobre.

Uma nação curda independente teria surgido, compreendendo o atual norte do Iraque e o leste da Síria. Na "Grande Síria", por outro lado, a evolução política teria levado à criação de uma nação maior e mais coesa; uma Síria constituída pela sua encarnação atual, junto com a Jordânia --recortada totalmente do tecido pelos britânicos-- e a Palestina.

Isto, é claro, deixa pendente a questão de Israel. Mas dado que a Declaração de Balfour-- o documento britânico de 1917 que incentivou a emigração judaica para a Palestina e gerou a semente do futuro Estado de Israel-- não teria sequer sido concebida sem a existência prévia do plano de Sykes-Picot, é uma questão que se torna redundante.

Apesar disso, a emigração judaica para a Palestina precedeu em muito a Declaração de Balfour, e é bem possível imaginar que um governo sírio em Damasco, ansioso por uma capital judaica internacional e pelo domínio da tecnologia, concedesse uma espécie status de condomínio para a Palestina dominada pelos judeus, similar ao que agora existente entre a China e Hong Kong.

Isso deixa mais uma grande ironia no ar. Na esteira de Sykes-Picot, Hussein foi ridicularizado por grande parte do mundo árabe como um tolo útil para os imperialistas europeus. A redução de sua influência caiu como uma luva para seu antigo rival regional, bem mais conservador, Ibn Saud, que derrubou Hussein em 1924 e estabeleceu o reino da Arábia Saudita. Sem Sykes-Picot, o moderado Hussein e seus filhos afeitos ao Ocidente ainda poderiam estar no poder quando o petróleo foi descoberto na Arábia em 1938 e a região se tornou o centro estratégico do universo.

Nenhuma dessas alterações teria sido simples ou necessariamente pacífica, mas sem o modelo artificial de Sykes-Picot, teriam sido problemas locais resolvidos pelos poderes locais de forma orgânica. Em vez disso, o Sykes-Picot gerou uma cultura de um século de ressentimento no mundo árabe; um clima de amargura e desconfiança que agora praticamente relega o Ocidente para as margens à medida que o mapa regional é rasgado.

(Scott Anderson é jornalista e autor de "Lawrence in Arabia: War, Deceit, Imperial Folly and the Making of the Modern Middle East.")
Fonte: The New York Times.
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