sábado, 21 de maio de 2016

Ascensão neonazista na Áustria ameaça Europa



Setenta e um anos e 17 dias depois da libertação do complexo de extermínio nazi de Mauthausen-Gusen, na Áustria (5 de maio de 1945), um estado europeu poderá ter um Presidente da República de extrema-direita neonazi, se se confirmarem, domingo, as sondagens que oferecem a vitória a Norbert Hofer, assumido anti-imigração e anti-europeu.

Ex-engenheiro aeronáutico, 45 anos, Hofer é a cartada do Partido da Liberdade da Áustria (FPÖ), que ganhou a primeira volta das presidenciais, em 24 de abril, arrebatando 36,4% dos sufrágios e expulsando da corrida os candidatos das duas forças que partilharam o poder desde o fim da II Guerra Mundial - o Partido Social Democrata e o Partido Popular (cristão conservador).

A exceção nessa partilha, recorde-se, foi a surpreendente aliança entre os conservadores e o FPÖ, em 1999, ainda com o polémico líder de então, Joerg Haider (falecido em 2008 num acidente), que defendia a política da Alemanha nazi, que anexara a Áustria em 13 de março de 1938. Foi o seu discurso xenófobo e antieuropeu no governo que levou a União Europeia a decretar, em 2000, sanções contra o país.

O problema da imigração

A opção dos eleitores, explica a imprensa internacional, deve-se às críticas aos partidos tradicionais e a crise dos refugiados que atingiu também a Áustria, com mais de 100 mil pedidos de asilo. Apesar de o país ter adotado medidas excessivamente restritivas da imigração, o ascenso xenófobo entre os austríacos é evidente e o respaldo ao FPÖ pode ser possível nas eleições legislativas de 2018.

Sem o carisma do líder, Heinz-Christian Strache, Norbert Hofer era mais conhecido por defender os interesses dos deficientes (ele próprio locomove-se com dificuldade e usa cadeira de rodas), mas as posições anti-imigração, anti-islâmica e anti-Europa são tais que ameaça demitir o governo (social-democrata) se, sendo eleito, não concordar com as ideias do executivo.

Professor universitário, cientista económico e militante ecologista (saiu do Partido Verde para concorrer como independente), o segundo candidato é Alexander Van der Bellen, 72 anos, defensor claro da multiculturalidade que a Áustria representa.

Num recente debate televisivo, Van der Bellen explicou o tema de forma cristalina, exemplificando com a composição da equipa nacional de futebol para o Euro2016: "Metade dos jogadores são filhos de imigrantes. Se tivéssemos seguido a sua política nos últimos 30 anos, não teríamos agora uma seleção tão forte".

O vídeo de abertura do sítio oficial de Van der Bellen mostra-o ensimesmado, nalguns momentos atormentado, como se carregasse o Mundo aos ombros e o fardo da responsabilidade do desfecho das eleições de domingo.

Sinal "absolutamente terrível"

Se Hofer e o FPÖ, que "tem uma clara ressonância neonazi", ganharem, "será um péssimo sinal do que aí vem", incluindo o "Brexit", as eleições presidenciais em França (2017) e o futuro da própria construção europeia, adverte Viriato Soromenho Marques, regente de Filosofia Social e Política e de História das Ideias na Europa Contemporânea na Universidade de Lisboa.

Não é que os britânicos que vão votar contra a permanência da Grã-Bretanha na União Europeia, no referendo de 23 de junho, "sejam de extrema-direita". Mas, com a eventual vitória do partido neonazi na Áustria, o risco de Marine Le Pen (da Frente Nacional, aliada do FPÖ) alcançar a presidência francesa e o provável efeito de contágio na Europa, com a ascensão de formações idênticas, temem que se agudizem as tensões na EU "por causa da união bancária, da má gestão da crise da imigração, ou da capitulação da Europa perante Erdogan (presidente turco)".

Uma eventual vitória neonazi constituiria um "sinal de alerta absolutamente terrível e, ou vai ser interpretado no sentido de acordar os espíritos adormecidos, ou vai ter um efeito de contágio nos partidos de extrema-direita eurocéptica", condidera Soromenho Marques.

Se a Áustria "não produzirá um efeito sistémico", embora tenha "um papel indicativo para o eleitorado", a subida de Marine de Le Pen ao poder em França - este, sim, um país sistémico - com a saída da moeda única e outras medidas gerará "um verdadeiro tsumani, com o recuo de muitos investidores e a desagregação da união".



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