Ausência de pressão de grupos religiosos e falta de penalidades para infrações também ajudam a explicar realização de experimentos criticados pela comunidade internacional.
DNA — Foto: Pixabay/Arquivo
Macacos clonados, fábrica de clonagem de vacas e agora "bebês transgênicos": o retumbante anúncio do cientista He Jiankui do nascimento de humanos geneticamente modificados ilustra as falhas na regulação sobre a bioética na China.
O país tenta se tornar líder em pesquisa genética e clonagem, e as áreas cinzentas da legislação local abriram caminho para experimentos às vezes controversos.
Cientistas chineses foram os primeiros em 2015 a conseguir modificar genes de embriões humanos, de acordo com a revista Nature.
No mesmo ano, um canteiro de clonagem animal estava sendo construído em Tianjin (norte), com a ambição de produzir até um milhão de gados de corte por ano.
No início de 2018, pesquisadores chineses conseguiram dar à luz pela primeira vez macacos geneticamente idênticos pela mesma técnica de clonagem usada há mais de 20 anos para a famosa ovelha Dolly, o primeiro mamífero clonado.
Se estas pesquisas podem contribuir para o desenvolvimento de medicamentos, ou de tratamentos, para doenças humanas, elas levantam questões éticas, especialmente no que diz respeito à clonagem humana.
Em vídeos publicados no YouTube, o pesquisador He Jiankui, que dirige um laboratório em Shenzhen (sul), anunciou no domingo o nascimento de gêmeos, cujo DNA foi modificado para torná-los resistentes ao vírus da aids.
Falsificação
De acordo com Qiu Renzong, pioneiro das questões de bioética na China, os pesquisadores muitas vezes escapam das sanções, porque devem prestar contas apenas à sua instituição. E alguns não recebem qualquer punição por negligência.
"A China protege muito os cientistas. Se cometermos um pequeno erro, para por aí. Não há sanções", lamentou nesta terça-feira em Hong Kong, à margem de uma conferência internacional sobre modificações genéticas.
He Jiankui deve falar na quarta e na quinta-feira nesse mesmo evento.
Leis mais flexíveis permitiram que a China tivesse uma vantagem no campo biomédico, aponta Michael Donovan, fundador da Veraptus, uma empresa de biotecnologia baseada no país asiático.
"Em muitos setores, se o legislador não decidiu, é que podemos avançar, com cautela. É nessas águas turbulentas que a pesquisa sobre modificação genética se encontra neste momento", diz.
E não há a pressão de grupos religiosos como existe, por exemplo, nos Estados Unidos, "mas trata-se da vida, e as pessoas ainda se preocupam com irmos rápido demais".
"Parece que na China não temos restrições morais que nos impeçam de realizar esse tipo de pesquisa", disse à AFP Fang Gang, professor assistente de biologia na Universidade de Nova York em Xangai.
'Temores'
No entanto, a Comissão Nacional da Saúde, que tem o status de ministério, ordenou uma investigação sobre o caso.
Durante uma reunião com a imprensa nesta terça-feira, o vice-ministro chinês da Ciência e Tecnologia, Xu Nanping, afirmou, por sua vez, segundo a televisão pública, que, se os gêmeos realmente nasceram, era ilegal.
De fato, de acordo com os princípios éticos promulgados em 2003 com relação à pesquisa com células-tronco embrionárias, a cultura in vitro é possível, mas apenas por 14 dias após a fertilização, ou transplante do núcleo.
O hospital Harmonicare, envolvido na pesquisa, assegurou que o documento que autorizava o experimento provavelmente teria sido falsificado.
Um grupo de 122 cientistas chineses lamentou a "loucura" do pesquisador. E a Universidade de Ciência e Tecnologia do Sul, onde He Jiankui trabalhava, disse que sua pesquisa era "uma séria violação dos padrões éticos e acadêmicos".
O homem que provocou o escândalo defendeu seu trabalho em um novo vídeo, dizendo que ele quer ajudar famílias com doenças genéticas.
"Achamos que a ética está do nosso lado. Lembrem-se de Louise Brown", o primeiro bebê nascido por fertilização in vitro (FIV) em 1978.
"Os mesmos medos e as mesmas críticas se repetem hoje", completou.
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