Embaixador angolano diz que Portugal está a “abafar as conquistas [angolanas], por causa de um indivíduo que é mais falado que o Papa”. Num editorial, o “Jornal de Angola” classifica de “grave precedente” a visita do embaixador português ao activista Luaty Beirão.
Vigília em Lisboa. Foto: João Porfírio/Lusa
O embaixador angolano em Lisboa acusa Portugal de utilizar o caso dos 15 activistas detidos em Luanda como “pretexto” para voltar a “diabolizar Angola”. Em declarações citadas este domingo no “Jornal de Angola”, José Marcos Barrica condena a “insistente diabolização de Angola” por parte de alguns “sectores maléficos” da sociedade portuguesa.
Em causa está o caso dos activistas acusados formalmente, desde Setembro, de actos preparatórios para uma rebelião e um atentado contra o Presidente angolano, com início do julgamento agendado para 16 de Novembro, no Tribunal Provincial de Luanda.
Um destes é o ‘rapper’ e activista Luaty Beirão, 33 anos, angolano mas também com nacionalidade portuguesa, e que cumpre este domingo o 35.º dia de greve de fome numa clínica privada de Luanda, onde se encontra sob detenção, exigindo aguardar julgamento em liberdade.
Na opinião do diplomata José Marcos Barrica, assiste-se hoje em Lisboa “a uma campanha para denegrir a imagem de Angola e abafar as suas conquistas alcançadas ao longo dos 40 anos de independência, por causa de um indivíduo que em Portugal é mais falado que o Papa”.
E sublinha: “Fiel aos bons costumes e ao princípio de não-ingerência, jamais Angola ousou questionar ou exercer pressão de qualquer espécie sobre decisões de entidades portuguesas, por constituírem assuntos internos deste Estado soberano”.
Em vários países europeus, nomeadamente Portugal, sucedem-se vigílias emanifestações de apoio ao grupo dos 15 detidos, apelos ao fim da greve de fome de Luaty Beirão e pedidos dirigidos ao Presidente angolano, José Eduardo dos Santos, para libertar os activistas.
Para o embaixador angolano, essa pretensão constituiria uma violação ao princípio da separação de poderes. “O Presidente da República não pode fazer o papel que cabe aos tribunais, interferindo no tratamento de matéria sob a alçada do poder judicial”, afirma Marcos Barrica.
Mural em Lisboa, Amoreiras. Foto: Manuel de Almeida/Lusa
“De Portugal nada se espera”
O mesmo “Jornal de Angola” que cita as declarações do embaixador de Angola em Portugal publica este domingo um editorial, no qual o seu director afirma que a recente visita do embaixador português em Luanda ao activista angolano Luaty Beirão, abriu “um precedente grave”.
José Ribeiro recorda que sobre “esse cidadão” pendem “acusações gravíssimas” de “envolvimento em actos de perturbação de ordem pública em Angola, no quadro de uma acção mais vasta de transformar o país numa nova Líbia em África”.
“O diplomata português acaba de legitimar toda a ingerência personificada nas manifestações em Portugal. O Governo português, depois de tanto tempo, volta a cair na asneira de se pôr do lado errado”, lê-se no artigo, intitulado “De Portugal nada se espera”.
O director do jornal estatal, que assina o editorial aos domingos, diz ainda que a “ingerência desabrida” portuguesa “nos assuntos da soberania de Angola está a ultrapassar todos os limites”.
Na quinta-feira, o embaixador João da Câmara encontrou-se durante 20 minutos com Luaty Beirão e exigiu a sua libertação e a de outros 14 activistas.
O Ministério dos Negócios Estrangeiros garantiu, anteriormente, que “Portugal prossegue o acompanhamento da situação de Luaty Beirão e de todos os detidos no caso presente, através de contactos junto das autoridades angolanas, quer a nível bilateral, quer em coordenação com os seus parceiros da União Europeia”.
Em resposta, o editorial diz que “a cruzada anti-angolana já não pode ser ignorada. O nível que atinge a ingerência portuguesa nos assuntos estritamente angolanos só encontra paralelo em duas ocasiões: quando Angola proclamou a sua independência em 1975 e quando se aproximava a derrota da UNITA de Jonas Savimbi, antes de 4 Abril de 2002”.
E conclui: “Hoje nada mais resta a fazer senão trabalhar com o poder de Bruxelas, que é quem manda de facto em Lisboa. São os próprios portugueses que o dizem. Para Portugal, está apenas reservado o papel de caixa-de-ressonância dos diferentes interesses que se digladiam. Essa é porventura a razão por que o Governo português não condena as actuais acções de desestabilização de Angola e pactua com a ingerência. Está de braços amarrados”.
FONTE:
RR RENASCENÇA
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