Especialista Jamie Bartlett diz que ataques em Paris podem ter sido planejados por meio de aplicativos de mensagens criptografadas
Após os recentes ataques terroristas em Paris, a eficiência dos serviços de inteligência, particularmente o da França, foi colocada em questão. Muitos se perguntam como os planos para os atentados coordenados de 13 de novembro não foram interceptados e especula-se sobre a maneira usada pelos terroristas para se comunicar.
Foto: Alexander Hassenstein / Getty Images
Jamie Bartlett, diretor do Centro de Análise de Mídia Social – uma colaboração entre o grupo Demos e a Universidade de Sussex, na Inglaterra – diz acreditar ser plausível que terroristas do grupo Estado Islâmico (EI) tenham usado o console de jogos PlayStation 4 para planejar os ataques na capital francesa.
Em entrevista à DW, Bartlett, que é autor do livro The Net Dark: Inside the Digital Underground (2014), afirma também que as agências de inteligência precisam mudar suas táticas de espionagem.
DW: Pelo que sabemos até agora, os ataques de Paris realizados pelo Estado Islâmico parecem ter sido planejados, coordenados e orquestrados com alguma antecedência. Você poderia explicar algumas formas pelas quais os terroristas podem ter conseguido se comunicar sem serem detectados pelas medidas de vigilância, aparentemente amplas, da França e de outros governos?
Jamie Bartlett: É claro que é difícil saber neste momento, mas tenho certeza de que nos próximos dias vamos descobrir muito mais. De modo geral, o que podemos dizer sobre o Estado Islâmico, e praticamente sobre a maioria dos grupos terroristas, é que eles ficam de olho nos últimos desenvolvimentos em termos de serviços de mensagens criptografadas e navegadores anônimos para se comunicarem uns com os outros de uma forma muito mais difícil para as agências de inteligência monitorarem exatamente o que eles estão dizendo.
Nos últimos meses, já ouvimos uma série de agências de inteligência dizendo que, principalmente por causa das revelações de Edward Snowden, partes da internet estão ficando "obscuras". E o que isso normalmente significa é que o trabalho delas está ficando mais difícil porque os terroristas, como os do EI, estão usando aplicativos de mensagens criptografadas para se comunicar. Existem muitos aplicativos com o conteúdo da mensagem criptografado de ponta a ponta, ou seja, somente as pessoas em ambos os extremos da comunicação podem ver o texto completo da mensagem. Quando ela viaja criptografada pela internet, é apenas um emaranhado de letras sem sentido. E, apesar da vigilância pesada em diferentes tipos de comunicação pela internet, essas mensagens são realmente muito difíceis de serem decifradas.
Casa Nostra Cafe após atentados do dia 13 de novembroFoto: EFE
DW: Numa ação antiterrorismo no início deste ano, a Bélgica deteve vários suspeitos que tinham utilizado o WhatsApp para se comunicar. Três dias antes dos ataques em Paris, o ministro do Interior da Bélgica, Jan Jambon, disse que a comunicação entre os terroristas mais complexa de interceptar é via PlayStation 4, porque é extremamente difícil de decifrar. Por que a comunicação por esse popular console de jogos é tão difícil de ser interceptada?
J.B.: Eu não posso falar muito especificamente sobre o PlayStation. Mas o que temos visto nos últimos anos, em geral, é que muitas empresas tornaram a comunicação entre os seus usuários muito mais segura. Elas usaram uma criptografia muito mais poderosa, tanto que, às vezes, nem elas mesmas conseguem decifrar. As empresas fazem isso porque os consumidores demandam, eles querem que sua comunicação seja muito segura. E eu não estou falando sobre terroristas ou bandidos, eu estou falando sobre mim, sobre você e todo mundo que usa serviços de mensagens.
Isso acontece, em parte, porque estamos preocupados com a vigilância do governo, em parte porque não queremos que os nossos dados caiam nas mãos erradas, e, em parte, porque tememos que hackers ataquem nossas próprias comunicações. Como resultado disso, a maioria das empresas realmente melhorou a segurança da sua comunicação, e, de fato, muito disso foi feito por boas e legítimas razões. O problema, claro, é que grupos como o EI estão constantemente monitorando isso e verificando quão boas diferentes formas de comunicação são em manter suas mensagens seguras. Não é nenhuma surpresa, era de se esperar que eles fizessem isso.
DW: Então, você acha plausível que o PlayStation 4 tenha sido utilizado pelos terroristas para se comunicar antes dos ataques em Paris?
J.B.: Sim. Eu acho plausível eles terem usado alguns aplicativos de mensagens criptografadas, como o Telegram, embora eu não saiba os detalhes do que eles tenham utilizado. Eu acho plausível eles terem usado browsers anônimos para tentar esconder o endereço dos seus protocolos de internet (IP) enquanto se comunicavam. E eu acho que é plausível eles terem usado algo parecido com o PlayStation 4 para se comunicar, se for uma forma segura de fazê-lo. Nada disso é para dizer que todos esses serviços de mensagens são, de alguma forma, culpados ou cúmplices. Muitos desses sistemas, como o browser TOR, são concebidos, principalmente, para jornalistas e ativistas de direitos humanos ao redor do mundo e muitas pessoas usam-nos com bons propósitos.
Jamie Bartlett acredita que órgãos de inteligência devem mudar a forma como operamFoto: Getty Images
DW: Como você disse, parece lógico que os terroristas criptografem suas mensagens para esconder seus planos. Mas a criptografia pode, às vezes, ser uma ferramenta vital para ativistas de direitos humanos e pessoas em geral que queiram proteger seus dados. Qual é a solução para esse dilema?
J.B.: Alguns problemas não têm uma solução simples. Mas acho que deve haver uma mudança na forma como os órgãos de inteligência operam. Eu diria que, nos últimos 10 ou 15 anos, eles se tornaram muito bons no desenvolvimento de sistemas para monitorar o tráfego na internet em larga escala – algumas revelações de Snowden eram sobre isso. Mas, conforme mais pessoas usam serviços de mensagens criptografadas e navegadores anônimos, esse tipo de abordagem da inteligência vai se tornando menos eficaz.
Eles terão que gastar mais tempo e recursos no que você pode considerar técnicas antiquadas de infiltração em grupos, coleta de inteligência humana, pessoas realmente especializadas em inteligência do tipo hacker capturando informações em equipamentos determinados de indivíduos conhecidos, e muito menos nesse tipo de vigilância de varredura ampla que temos visto nos últimos anos. Acho que essa é a abordagem que eles terão que adotar.
Por fim, acho que seria muito bom se a polícia e as agências de inteligência também vissem os benefícios da criptografia. Há tantos crimes cibernéticos que poderiam ser evitados se as pessoas cuidassem melhor da sua comunicação e usassem criptografia. Bilhões de dólares seriam economizados no mundo se fizéssemos isso. Talvez alguns deles pudessem ser reinvestidos nesses novos tipos de trabalho de inteligência que sugeri.
Monumentos históricos pelo mundo se iluminam pela França
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Foto: EFE
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