Apesar da veemência, Rouhani, sem opções, não descarta voltar à mesa de negociações
Hassan Rouhani discursou na tarde desta terça-feira na sede da ONU em Nova York - JOHN MOORE / AFP
NOVA YORK - O presidente do Irã, Hassan Rouhani, proferiu um incisivo discurso na tarde desta terça-feira na Assembleia Geral das Nações Unidas, em Nova York, no qual condenou a saída unilateral americana do acordo nuclear assinado em 2015 e as sanções econômicas contra o seu país, classificadas como "terrorismo econômico”, "chantagem" e "graves violações da lei internacional".
O presidente iraniano denunciou Washington por promover uma "guerra econômica", alegando que as sanções dos Estados Unidos interromperam o comércio global e atingiram o povo iraniano. Rouhani aproveitou a oportunidade para convidar Washington a voltar à mesa de negociações e abandonar o "bullying", e agir por meio do diálogo e não da pressão.
— O governo dos EUA, pelo menos o atual, parece determinado a tornar ineficazes todas as instituições de direito internacional existentes — disse Rouhani. — Em contradição com as regras e leis internacionais, nos convidam a conversas bilaterais. É um convite para o Irã não reconhecer as exigências de um Estado moderno, incluindo o princípio fundamental da continuidade da responsabilidade do Estado.
Em maio, Trump saiu do acordo nuclear firmado por Barack Obama em 2015, que determinava que as sanções internacionais ligadas ao programa nuclear iraniano eram suspensas em troca de medidas para fazer retroceder a capacidade de Teerã de fabricar uma bomba atômica. Desde agosto, os americanos restituíram as sanções, que serão expandidas em 4 de novembro.
Os efeitos para a economia iraniana têm sido desastrosos, conforme as exportações de petróleo do país despencam e diversas empresas deixam o país. Ontem, a sueca AB Volvo anunciou que vai interromper a produção de caminhões no Irã, por ser incapaz de receber pagamentos.
Rouhani definiu as sanções como “terrorismo econômico” e “uma violação do direito ao desenvolvimento”.
— Infelizmente estamos vendo presidentes que pensam que podem garantir os seus direitos fomentando extremismos e nacionalismos, com uma disposição nazista — comentou. — Líderes globais que acham que podem garantir seus interesses pelo atropelamento das regras globais e do boicote das instituições internacionais, inclusive por meio de atos absurdos e anormais, como convocar uma reunião de alto nível do Conselho de Segurança.
O órgão de segurança reúne-se amanhã, em um encontro que será presidido por Trump e do qual devem participar os chefes de Estado dos 15 integrantes do Conselho, exceto de China e Rússia, que devem enviar ministros.
O líder iraniano disse que o governo americano “nem sequer esconde o próprio plano”, de “derrubar um governo que convida a conversar”. Segundo Rouhani, o desprezo ao multilateralismo é “sintoma de uma fraqueza de intelecto” e revela “uma incapacidade de entender um mundo complexo e interconectado”.
Rouhani também elogiou a União Europeia e os demais signatários do acordo — assinado, além de Irã e EUA, pelos membros permanentes do Conselho de Segurança junto da Alemanha e pela União Europeia — por cumprirem suas exigências e ressaltou que o seu próprio país age do mesmo modo. No final de suas referências diretas aos EUA, ele convidou Washington a voltar à mesa de negociações e afirmou que o diálogo "começava ali mesmo".
— Se você não gosta do acordo porque ele é legado de seu antecessor político, o convidamos a voltar à mesa de negociações que deixou e a uma resolução assinada pelo Conselho de Segurança — disse. — O diálogo começa onde terminam as ameaças e sanções que violam princípios da ética e da lei internacional.
O convite ao diálogo pode ser entendido como uma abertura para negociações, uma vez que Teerã se encontra com poucas alternativas, diante da agressiva tática adotada por Washington. O país enfrenta uma grave crise inflacionária e desemprego. Analistas consideram a tática de Trump, incomum de acordo com padrões diplomáticos, bem sucedida até aqui.
ROUHANI "É ADORÁVEL", DIZ TRUMP
Presidente Donald Trump discursa na 73ª Assembleia Geral das Nações Unidas, a segunda desde que tomou posse nos EUA - CARLO ALLEGRI / REUTERS
Em seu discurso, o presidente americano também comentou a saída americana do acordo nuclear com o Irã, que chamou de "horrível". Ele descreveu o governo iraniano como uma "ditadura corrupta" que "saqueia o seu povo para pagar por agressões externas", afirmando ainda que novas sanções serão implementadas para forçar uma mudança de comportamento de Teerã a partir da pressão econômica.
— Os vizinhos do Irã pagam um alto preço pela sua agenda de agressão e expansão. É por isso que muitos países do Oriente Médio apoiaram minha decisão de sair do horrível acordo nuclear de 2015 e reimpor sanções nucleares.
No começo da manhã, Trump fez uma declaração destinada a Rouhani no Twitter, antes de seu discurso na Assembleia Geral.
“Apesar dos pedidos, eu não tenho planos para conhecer o presidente iraniano Hassan Rouhani. Talvez um dia no futuro. Tenho certeza de que é um homem absolutamente adorável!”, escreveu, em contraste evidente com a retórica hostil em geral empregada em relação à liderança do país asiático.
Autoridades iranianas apressaram-se em negar que o país tenha pedido um encontro. De acordo com analistas políticos, a mensagem tinha o objetivo de mandar a mensagem de que Trump procurava se aproximar pessoalmente de Rouhani, em uma abordagem parecida com a que desenvolveu com o ditador norte-coreano Kim Jong-un.
Na segunda-feira, a União Europeia anunciou que vai estabelecer uma entidade legal para “facilitar transações financeiras como Irã e que isso permitirá a companhias europeias continuar a fazer negócios como país”. O mecanismo autorizaria a participação de outros países.
A iniciativa pode complicar os esforços de Washington para isolar o governo de Teerã. Um porta-voz da UE disse nesta terça-feira que ainda não se sabe exatamente quando o instrumento será inaugurado e que as discussões técnicas devem continuar nos próximos dias.
Nesta terça-feira, o secretário de Estado americano Mike Pompeo atacou os planos europeus, que definiu como “perturbadores” e “muito decepcionantes".
— Esta é uma das medidas mais contraprodutivas imagináveis para a paz e a segurança globais — afirmou Pompeo. — Ao garantir recursos para o regime, você está assegurando a posição do Irã como o Estado que mais patrocina o terrorismo.
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