Estande do exército alemão da Bundeswehr (Gamescom)/Foto: Henning Kaiser / AFP
A cruz suástica e a saudação nazista, proibidas por muitos anos porque são consideradas perigosas para as crianças, começaram a aparecer em videogames na Alemanha em nome da liberdade artística, o que está provocando preocupações e críticas.
Apresentado na feira de videogames Gamescom de Colônia, “Through the Darkest of Times” é o primeiro jogo vendido na Alemanha que mostra sem filtros o período nazista.
O jogador dirige uma resistência ao nazismo durante a Segunda Guerra Mundial. As suásticas substituem os triângulos negros sobre fundo vermelho que se utilizavam até o momento, e também se veem as saudações nazistas e inclusive Hitler, que jamais havia sido chamado por seu nome verdadeiro nos videogames.
Antes, “como os desenvolvedores temiam falar disso, inventavam coisas fantasiosas. Hitler se chamava Heiler e não tinha bigode, e não havia judeus, mas traidores. É problemático porque se ocultava todo um aspecto da história”, explica à AFP Jörg Friedriech, codesenvolvedor do jogo.
Membro do exército alemão da Bundeswehr instrui um jovem visitante a usar um simulador/ Foto: Henning Kaiser / AFP
“Liberdade artística”
O tabu foi quebrado em agosto. Pressionada pela indústria dos videogames e pelos jogadores, a autoridade independente de regulação alemã (USK) deu ao setor os mesmos direitos que os do cinema e do teatro.
“Os jogos que abordarem de forma crítica os acontecimentos passados podem se beneficiar pela primeira vez de uma aprovação” em virtude da “liberdade artística”, declarou uma responsável da USK, Elisabeth Secker.
Desde uma decisão da justiça de 1998, os videogames não tinham direito a incluir esses elementos, já que os juízes temiam então que as crianças “crescessem com esses símbolos e insígnias e se acostumassem a eles”.
“É um passo que não temos porque ocultar porque também pode ser uma chamada de atenção” para o público, considera Michael Schiessl, um visitante da Gamescom.
A decisão de permitir esses símbolos nos videogames, no entanto, não agradou a todos na Alemanha.
“Não se brinca com as suásticas”, criticou a ministra alemã da Família, Franziska Giffey, em uma entrevista publicada nesta quinta-feira pelo grupo de imprensa Funke. Os alemães “devem continuar sendo conscientes de sua responsabilidade histórica”, declarou.
“Como se explica aos jovens que acabaram de jogar ‘Call of Duty’ – um conhecido jogo de guerra – que ali podem içar a bandeira com a suástica mas que não podem pintá-la na parede de uma casa se não quiserem acabar em um tribunal?”, questiona Stefan Mannes, redator-chefe de um portal alemão de notícias sobre o Terceiro Reich chamado “O futuro necessita memória”.
Visitante vestido como um soldado alemão/ Foto: Oliver Berg / AFP
Normalização
Um argumento rechaçado por Klaus-Peter Sick, historiador do centro Marc-Bloch de Berlim. “O jogador é inteligente e sabe diferenciar” a ficção da realidade, assegura. “Não há risco: você não se torna um nazista vendo suásticas!”.
Além disso a USK não planeja conceder uma autorização geral; estudará cada caso para saber se a presença de símbolos nazistas em um jogo é “socialmente adequada”.
Sick considera que essa decisão é mais um sinal da “normalização” da relação que a Alemanha mantém com seu passado.
“Esta sociedade pode ler ‘Mein Kampf’ sem se tornar nostálgica (…) Os nazistas convictos morreram. É uma questão de geração: a sociedade se transformou e se situa agora longe de uma época à qual não quer regressar”, afirma o historiador.
Nos últimos anos caíram vários dos tabus relacionados com a Alemanha nazista. Filmes como “Meu Líder: Verdadeiramente a Verdade mais Verdadeira sobre Adolf Hitler” (2007) ou “Heil” (2015) encheram as salas de cinema, e o romance “Ele Está de Volta” (2012) se tornou um best-seller.
As autoridades permitiram inclusive a reedição de “Mein Kampf” (Minha Luta, escrito por Hitler) em uma versão comentada.
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