Imagem: Reprodução / Anamages
Sob o título “O STF e o que dele se espera!”, o artigo a seguir é de autoria de Edison Vicentini Barroso, desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo. O texto foi publicado na coluna de Frederico Vasconcelos, da Folha de S. Paulo, que destacou a frase “Está difícil o cidadão defender o STF”. Comentando sobre a proteção oferecida ao ex-presidente Lula, o desembargador pergunta: "E onde está o efetivo combate ao configurado crime contra a administração pública? Deixar-se-á de lado do que positivamente sério e passível de punição, nos termos da lei, para se perder em firulas jurídicas relativas a questões periféricas e a ato judicial absolutamente legal? É do que se espera da Justiça brasileira?"
Leia abaixo o texto do desembargador Edison Vicentini Barroso:
A Constituição Federal permite ao cidadão fale abertamente do que pensa – inclusive do STF. E está difícil defendê-lo.
Por aspectos de mera conveniência, que hão norteado as diretrizes constitucionais neste sentido, os ministros dos tribunais superiores têm sido indicados politicamente. E, em grande parte, tornam-se magistrados sem jamais o terem sido. Explico.
Existe o quinto constitucional, pelo qual 20% dos assentos dos tribunais são atribuídos a advogados e membros do Ministério Público. Com isso, uma de cada cinco vagas é reservada a profissionais não submetidos a concurso público de provas e títulos – específico à escolha e nomeação de juízes de carreira.
Esse só fato já é uma distorção. De verdade, magistrado só o é o concursado – aliás, para isto existe o concurso. Os demais, que a este não se submeteram, são guindados à posição de juízes por opção político/legislativa – que passou da hora de mudar.
Caem de paraquedas nos tribunais, sejam bons profissionais ou não. Tudo a depender, exclusivamente, da vontade política dos respectivos órgãos de classe. Com isso, passam na frente de magistrados concursados, de carreira, com muitos anos de experiência centrada no ato de ser juiz – do que nada justo.
Falemos especificamente do STJ e do STF. Em ambos, a escolha dos juízes, concursados ou não, se dá pela só indicação política do presidente da República mediante aval formal do Senado Federal (artigos 101 e 104 da Constituição). Deles se exigem três requisitos, só um objetivo: idade mínima de 35 anos. Os demais: notável saber jurídico e reputação ilibada.
Quanto à idade, dúvida não há. Não assim relativamente ao conhecimento do Direito, que há de ser apreciável e extraordinário. Da reputação intocada, a rigor, suficiente a folha corrida.
E nesse contexto, por aspectos preponderantemente políticos – não condizentes à realidade do mérito individual (meritocracia) –, da noite para o dia, muito rapidamente, o indivíduo se vê ministro, integrante do Poder Judiciário nacional. Que salto!
E, não sejamos hipócritas, nem sempre com os predicados que o capacitem ao grave encargo (embora haja os que se destaquem por mérito próprio).
Disto nos diz a história. Até porque, no Brasil, não é incomum a prevalência do jogo de aparências. Mas, dir-se-á, é do sistema. Todavia, ao sistema se pode mudar – para melhor se ajustar. Basta querer, mas não se quer.
A discussão afeta à indicação política de juízes, mais que nunca – pelo momentoso quadro nacional –, está em evidência. E muito se tem dito, criticado mesmo, desse tipo de nomeação – sem que se dê conta de que a raiz dos problemas relativos a real independência do Poder Judiciário passa, justamente, pela ingerência política no seio desse Poder.
Do que mais acentuado nos governos petistas, a aparelharem os tribunais –aparentemente (até por elementos de informação mais recentes, hauridos de escutas telefônicas) – como plano dum esquema de poder que se visa perpetuar. E nem sempre há identidade entre os interesses do Direito, e da própria Nação, com os julgamentos de que se têm notícia.
Quadro sério, pelo risco de o país passar por uma onda de desobediência civil – ínsita à inegável crise de autoridade.
É claro que não se está a dizer que os ministros hão de decidir fora de sua consciência, adstritos à voz das ruas. Não, e não. Todavia, há indicativos, pontualmente episódicos, de que, por vezes, são atendidos interesses que, sequer em tese, se poderiam atender.
O caso Luiz Inácio Lula da Silva, o Lula. Ex-presidente e hoje homem comum, sem foro privilegiado, mas retirado, inda que em sede liminar, das mãos de seu juiz natural, Sergio Moro, como se cidadão brasileiro especial fosse. E não o é; ao menos, aos olhos da lei.
Indiscutivelmente, fato prejudicial às investigações da Operação Lava Jato e na contramão de direção das aspirações do grosso da população brasileira, especificamente quanto à conotação ética do Direito. Dá-se até impressão de certa blindagem – a depor contra a confiabilidade do mais alto tribunal do país.
É do que vai à boca do povo, para o qual o STF – não raras vezes – tem feito o jogo do poder. É uma constatação, uma narrativa do que se tem ouvido no seio da sociedade brasileira.
Lembremo-nos de que, embora decisão judicial se cumpra, não é insuscetível de crítica ou discussão. Assim não fosse, não se estaria num país democrático.
Enfoquemos, pois, a ação e postura do juiz federal Sergio Moro, de carreira, concursado e não politicamente indicado, no episódio das gravações autorizadas dos telefonemas de Lula. À evidência, sempre no campo das opiniões próprias a cada um, segundo o sentido da melhor Justiça.
E, nesse particular, faço minhas as considerações do jurista Ives Gandra Martins – das quais compartilho. Teria Sergio Moro agido fora da lei, na divulgação daqueles telefonemas? E a resposta é um não incisivo. Portou-se em consonância com ela, nas circunstâncias da investigação penal em curso. Assim o diz a própria jurisprudência do STF, autorizada da quebra de sigilo das coisas relativas à pessoa investigada.
E há quem duvide, em sã e imparcial consciência, ouvindo-se do que se ouviu, de que Dilma Rousseff, ao mandar para Lula, antecipadamente, o termo de posse de ministro, tentava fazê-lo fugir da jurisdição de Moro, em nítida obstrução de Justiça? Pode-se mesmo pôr em dúvida do flagrante desvio de finalidade do ato de nomeação? E, como verdadeiros juízes, não agiriam os ministros como Moro agiu, dando a conhecer o fato grave –escudado nos princípios da publicidade e da moralidade do ato administrativo?
Ora, as delações ou colaborações premiadas estão sendo homologadas pelo Supremo. O ministro relator, Teori Zavascki, mandou publicar a delação do senador Delcídio do Amaral no site do Tribunal para conhecimento geral do que dito. Assim, quando o magistrado, adstrito à sua competência, toma ciência da gravidade duma informação de interesse público tem a obrigação de lhe dar publicidade. Sobreleva o artigo 37 da Constituição Federal.
E se alude à perspectiva de punição de um juiz que se limitou a cumprir seu dever funcional, atrelado aos ditames da consciência. Pelo simples fato da correta divulgação de assunto de relevância nacional, baseada nos fundamentos da verdade que há de nortear as coisas da Justiça, alertando o país sobre o que, às ocultas e contra a lei, se vinha tramando.
E onde está o efetivo combate ao configurado crime contra a administração pública? Deixar-se-á de lado do que positivamente sério e passível de punição, nos termos da lei, para se perder em firulas jurídicas relativas a questões periféricas e a ato judicial absolutamente legal? É do que se espera da Justiça brasileira?
E muito se fala na prerrogativa de foro privilegiado da presidente da República como elemento a interferir na legalidade da divulgação. Ora bolas! Era ela a investigada? Não era Lula? Se, deste se investigando, aquela para ele ligou, claro está de que não desnaturada a regularidade dos procedimentos de investigação. É a chamada escuta fortuita. Noutras palavras, caiu na rede é peixe.
E tem mais. Mesmo se demonstre que a ligação se deu entre a ordem de suspensão das gravações de Lula e a positiva providência pela operadora de telefonia, não se pode fugir à constatação de que as informações foram obtidas durante a competência do magistrado como presidente do processo – do que ocorreria até um minuto antes da posse de Lula como ministro, em 17 de março de 2016.
Aqui, invoco o exemplo de Ives Gandra, partindo-se da suposição de que, na investigação dum narcotraficante, em dado momento, considera-se inútil continuar nas interceptações telefônicas – mandadas suspender. Mas, em seguida, sobrevém gravação que prova estar ele fazendo operação de tráfico de drogas. Só por isto, à prova não se utilizará? Pura questão de bom senso.
Indo disso tudo se abstraia, como dito por João Otávio de Noronha, ministro do STJ, ‘Não tem como negar o que está gravado. A atitude do juiz Moro, gostem ou não, certa ou errada, revelou a podridão que se esconde atrás do poder. Se alguns caciques do Judiciário se incomodam ou invejam, lamento’.
E eu, de minha parte, na humílima condição de apenas mais um cidadão brasileiro, lamento e temo pelo que advirá. Tremo em pensar na possibilidade de que se fira de morte a essência da Constituição do Brasil –tão duramente conquistada. Esperemos, pois, de olhos bem abertos, vigilantes mesmo, os próximos capítulos da novela do drama brasileiro, torcendo muito para que, nas veias dos ministros do Supremo Tribunal Federal, de fato, flua sangue com o DNA do verdadeiro juiz.
VEJAM OS VÍDEOS ABAIXO:
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