(Foto: AFP)
Muita gente andou pedindo para que eu tecesse algumas considerações a respeito desta festa que, hoje, se transformou em: 1) desfiles de escolas de samba que mais parecem espetáculos breguíssimos de uma Broadway falsificada; 2) micaretas patéticas formada por gente que paga R$ 1 mil por um abada, mas que está com a prestação do carro atrasada; 3) pseudoartistas posando com falsa felicidade para revistas que vendem um mundo que não existe; 4) blocos de rua com gente mijando nas ruas e nos jardins das casas, enquanto bebem e brigam como se não houvesse um amanhã; 5) um tsunamiinterminável de músicas horríveis.
Por isto, resolvi republicar um dos primeiros textos que escrevi aqui no Yahoo, uns seis anos atrás. Minha opinião não mudou uma vírgula sequer:
Para esta semana, o pessoal do Yahoo! pediu para que eu escrevesse sobre o Carnaval. Não tenho a menor ideia de como você se refere a este evento, mas posso adiantar uma coisa: de minha parte, sinto um amargo gosto de derrota em minha boca, como se fosse um Napoleão tentando abrir uma lata de sardinhas com um garfo de plástico em seu exílio na ilha de Santa Helena, abatido e impotente perante a circunstância que me rodeia.
Durante alguns dias, vou tentar escapar da verdadeira ditadura televisiva imposta pelo Carnaval, mas sei que não vou conseguir. Tenho plena consciência de que serei nocauteado por frases imbecis, proferidas por exércitos de exibicionistas, todos ansiosos por uma suruba que nunca se concretiza. Serei submetido a grotescos espetáculos de alegria plástica, sem vida, provenientes de gente cuja maior qualidade é exibir cirurgias plásticas - algumas invejáveis, outras semelhantes a serviços de borracharia mal feitos -, sem um pingo de autenticidade, sem o menor resquício de emoção sincera.
Não tenho nada contra a exposição de corpos femininos nus - muito pelo contrário! -, desde que eles venham acompanhados de uma aura de sensualidade e beleza. Não há espaço para a ingenuidade em avenidas salpicadas de pessoas mortas por dentro, muito menos para o tesão. O que resta é um festival de repugnância proporcionado pelas emissoras de TV. É duro admitir, mas a burrice parece ter se tornado item de cesta básica. Conseguimos a proeza de profissionalizar a idiotice!
O Carnaval se tornou um evento para os outros. Empresas, fabricantes de cervejas, socialites deformadas pelo excesso de botox a ponto de se parecerem com lagartos, celebridades emergentes de 97ª categoria, playboys babacas, garotas de programas disfarçadas em atriz e modelo… É para essa turba falsamente animada que a festa do Rei Momo (quem?) e xiste hoje. O tumulto resultante é o espelho fiel do que o Brasil se tornou.
Para os turistas estrangeiros, somos alegres bufões, sorridentes mesmo quando sabemos que milhares de crianças morrem como moscas porque não têm o que comer. Na verdade, no fundo da alma, essa cambada de “ex-BBBs da vida real” se comporta como palhaços desdentados, subnutridos de inteligência e bom senso. As pessoas se tornaram prisioneiras da imagem daquilo que se espera delas.
O Carnaval é um retrato cheio de purpurina da realidade que vivemos: tumultuado, confuso, artificial, violento, narcisista, louco - no pior sentido da palavra -, bruto e patético. O problema não é o Carnaval, mas sim o que ele espelha.
Não, não tenho saudade do passado, mas percebo que, em um tempo não muito distante, vivíamos de uma maneira diferente, mais cordial e sincera, mesmo quando nosso espírito mambembe se confrontava com o início de uma nova ordem, que determinava que só a exibição contínua e a qualquer preço seria o caminho para uma “carreira de sucesso”.
Por que existe tanta gente disposta a fazer qualquer coisa para ganhar dinheiro e/ou aparecer na TV? A resposta pode estar no fato de que essa imensa massa de imbecis está totalmente desiludida com os benefícios que a aquisição de cultura pode trazer ao espaço vazio que existe entre as suas orelhas. A turba de idiotas prefere o caminho mais fácil, que passa pelo constrangimento de expor suas vergonhas intelectuais e físicas em cadeia nacional.
Como é possível fazer germinar a cultura de um país por meio da massificação? E quando escrevo “cultura”, me refiro também à música, um dos principais combustíveis para nossa existência. Como acreditar na musicalidade de um Carnaval em que os samba-enredos são todos iguais, a ponto de você esquecer cada um deles segundos depois de ouvi-los?
Hoje, fazer parte do Carnaval é trabalhar como um macaco de realejo perante uma plateia cheia de zumbis sorridentes. Se essa é a sua noção de “alegria popular”, vá fundo. Mas depois não diga que eu não o avisei…
Aproveitando o gancho, não custa nada lembrar uma matéria que fiz aqui no Yahoo a respeito de como andava o Carnaval de São Paulo naquela época. Acredite: tudo continua na mesma, ou seja, um festival de “tudo é lindo e maravilhoso”, “todos estamos felizes”, “é a festa mais linda do mundo” e outros clichês do gênero. Toda esta alegria esconde um lado que pouca gente gosta de abordar. Fui a campo e fiz justamente os questionamentos que todo mundo gostaria de fazer, mas que não tem coragem de perguntar. As respostas dão a real dimensão do que esta festa realmente significa…
FONTE:
https://br.noticias.yahoo.com/blogs/mira-regis/mais-uma-vez-temos-um-inferno-chamado-carnaval-183003104.html
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