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domingo, 26 de outubro de 2014

Confira íntegra da entrevista com sociólogo Demétrio Magnoli sobre a NOVA ORDEM MUNDIAL

 

O sociólogo Demétrio Magnoli, 56, vê o Brasil isolado e diante de uma série de encruzilhadas. A principal delas, segundo ele, é decidir se o País vai se contentar em liderar um bloco limitado ao triângulo Brasil-Argentina-Venezuela, fechado às grandes correntes de comércio do mundo, ou se aceita abrir o peito a novos rumos, nadando a favor das correntes de comércio mundiais. “O Mercosul é pequeno demais para o Brasil”. Na hipótese de reeleição da presidente Dilma Rousseff (PT), ele não vê indício de mudanças na política externa. Demétrio vê pobreza em ambos os candidatos ao Planalto. Para ele, a campanha de Dilma se baseia em um discurso caricatural, na suposta oposição entre ricos e pobres. Em contrapartida, avalia que Aécio Neves (PSDB) não soube dar as respostas devidas. Demétrio conversou por 20 minutos com O POVO antes de fazer palestra para alunos do Colégio Master, na noite de quarta-feira.

O POVO - O senhor veio falar sobre Europa, Rússia e China, a nova configuração da ordem mundial. Como ficam os EUA neste redesenho?

DEMÉTRIO MAGNOLI – Esta nova ordem que está se configurando se distingue tanto daquela que existia na Guerra Fria, de um conflito bipolar- EUA- URSS – como daquela que parecia que se configuraria no fim da Guerra Fria, na qual nós teríamos uma única hiperpotência exercendo um papel de nova Roma. Um Império Global. Não foi isso que aconteceu. O que nós temos é que apesar do papel dos EUA, temos uma ordem cada vez mais pluripolar. Essa ordem se baseia em dois eixos de conflito e cooperação. Um eixo de conflito e cooperação entre os EUA e a China - grande potência mundial emergente - e outro eixo entre a União Europeia e Rússia. No caso, a crise da Ucrânia deixa bem claro esse atrito na área da Eurásia. Seria mais adequado ver como pluripolar e que, apesar da pluripolaridade, continua a ter nos EUA um ator principal.

OP – E como é que o Brasil se insere neste cenário, sobretudo quando percebemos que há uma componente ideológica muito forte na nossa política externa brasileira?

DEMÉTRIO – O Brasil figura como potência regional. A gente pode identificar uma hiperpotência, os EUA. Algumas potências mundiais – a União Europeia, a China, a Rússia e o Japão – e uma série de potências regionais – a Índia, o Brasil, o México. O Brasil é a grande potência regional da América do Sul. Hoje o Brasil se encontra diante de uma série de encruzilhadas na sua política externa. E me parece que a encruzilhada mais importante é saber se o Brasil vai querer liderar um bloco que se fecha numa fortaleza sul-americana – num novo Mercosul, definido pela triangulação Brasil-Argentina-Venezuela, bloco fechado às grandes correntes de comércio do mundo, ou se o Brasil vai se abrir a novos desenvolvimentos que ocorrem na América do Sul, principalmente a formação da Aliança do Pacífico, e se ligar às correntes de intercâmbio mundiais. Parece-me que esta é uma grande encruzilhada. E o próximo Governo vai definir o caminho do Brasil nesta direção.

OP – Em que medida o posicionamento polêmico do Brasil nas questões internacionais ameaça a intenção do Brasil de compor o Conselho de Segurança da ONU?

DEMÉTRIO - O Brasil quer fazer parte do Conselho, o que é uma ambição razoável, mas a sua política externa atual conspira contra esta ambição. E conspira contra porque o Brasil não tem defendido no plano internacional os valores democráticos que estão escritos na sua Constituição. Tem defendido ditaduras, tiranias e tem adotado posição ideologicamente antiamericana que acaba sabotando a nossa própria política externa. Então, o Brasil condena corretamente os bombardeios de Israel em Gaza, mas não condena os atentados do Hamas contra civis. O Brasil critica a ação internacional contra os terroristas do Estado Islâmico, o que é incompreensível, falando da soberania do território da Síria, mas não se pronunciou sobre a soberania do território da Ucrânia. Atingida por invasão indireta da Rússia. Então, o antiamericanismo, ás vezes muito mais retórico do que real acaba tendo conseqüências danosas para esta nossa ambição de ter um papel mais relevante no plano político internacional.

OP – O discurso da presidente-candidata fala em novo Governo. Como a política externa do Brasil sofreria alguma mudança num eventual segundo Governo Dilma?

DEMÉTRIO – Não. Se a presidente eleita for Dilma, nós teremos mais do mesmo. A linha adotada antes apontava para perspectiva de um grade acordo de comércio mundial, no âmbito da Organização Mundial de Comércio (OMC). Isso fracassou. E não há perspectiva de que se resolva num prazo visível. Qualquer que seja o próximo governo brasileiro, nós vamos estar colocados diante do problema de que o Brasil está isolado dos pactos e dos acordos comerciais internacionais que interessam. E o Mercosul é pequeno demais para o Brasil. Então, mesmo se Dilma for eleita, ela vai ter um problema aí. Fazer mais do mesmo é quase impossível, pelo menos no plano comercial.

OP - E se o eleito for Aécio? Como conseguiria reverter este cenário?

DEMÉTRIO – Acho que teríamos mudanças muito rápidas na política externa. Em primeiro lugar, mudanças no plano dos valores, dos princípios. Nós vamos certamente retirar o antiamericanismo ideológico do meio do caminho, que é uma pedra no meio do caminho da política externa brasileira e acho que nós vamos transformar o Mercosul numa zona de livre comércio. O que permitiria ao Brasil participar de outros acordos comerciais. Portanto, eu acho que nós vamos nos aproximar do México, do Chile da Colômbia, da Aliança do Pacífico...Vamos procurar, finalmente, concluir o acordo com a União Europeia, há tanto tempo negociado. E tentar negociar um acordo com EUA, Canadá e México. Estas coisas seriam absolutamente necessárias para nos retirar do isolamento em que nós nos encontramos e que se tornará cada vez mais grave. Não só do ponto de vista das nossas exportações diretas, mas das inserções da indústria brasileira nos fluxos de capitais.

OP – Nós temos visto e maneira muito forte nestas eleições um comportamento médio não de convicção quanto ao candidato escolhido, mas de anti-adversário. Esta dicotomia se dá por conta de que? Da nossa pobreza ideológica?

DEMÉTRIO – Eu acho que se dá porque essencialmente a campanha de Dilma Rousseff, a campanha do PT, se baseia numa ideia caricatural. Na ideia de que o Brasil se divide em dois grupos. Os pobres e os ricos, o povo e a elite. E toda discussão se dá em torno desta caricatura. Isso em si mesmo não nos conduziria a uma eleição tão despolitizada como essa. O problema é que no campo da oposição a campanha de Aécio neves, refletindo os problemas históricos do PSDB, não parece completamente capaz de dar resposta a este discurso caricatural. Mostrando que embora o atual Governo fale em nome dos pobres, frequentemente governa com os mais ricos. Bolsa BNDES entre outras coisas estão aí para mostrar isso. Parece-me que as respostas de Aécio Neves são respostas quase pré-políticas. Elas se baseiam em denúncias de corrupção, que devem ser feitas. Mas elas não conseguem criar uma narrativa política que explique que seu governo pode ser um governo bom para a maioria, para o povo. Que é justamente o ponto que está em questão. Não vejo apenas o problema no discurso do Governo, mas o discurso da oposição reflete esta dificuldade do PSDB ao longo de quase 12 anos de fazer oposição.

OP -É possível fazer distinção entre esquerda e direita com facilidade no Brasil?

DEMÉTRIO – Sim, esquerda é aquela corrente política que vê na busca da igualdade social um valor central. A direita democrática é aquela que vê na conservação da diferenças um valor central. Existe sim uma diferença entre direita e esquerda. Eu fui um militante de esquerda da juventude, mas um militante trotskista, ou seja, não tem nada a ver com a esquerda castrista que gosta de Cuba, que elogia a antiga URSS, que hoje é tão comum no PT. Nunca participei deste tipo de discurso. Ma sacho que quando se faz este debate entre esquerda e direita no Brasil, e na América Latina, é preciso distinguir a esquerda latino-americana da esquerda européia. A esquerda européia é aquela que aprendeu com uma grande tragédia que foi a URSS e o socialismo real. E portanto aprendeu a o valor da liberdade política. A esquerda latino-americana passou mais ou menos ao largo desta e experiência histórica trágica. E continua até hoje a rezar no altar da revolução cubana. Cuba, o farol da esquerda latino-americana. É diferente da esquerda socialista europeia, da social democracia dos partidos europeus. Eu gosto dos sociais democratas europeus, me considero de esquerda, mas não da latino-americana. Ela é chavista, Kirchnerista, chavista. E ela produz resultados ruins do ponto de vista da liberdade política e ainda piores no ponto de vista do desenvolvimento econômico.

OP – Os governos recentes optaram por soluções imediatas. Não vou conseguir resolver as deficiências das escolas, então vou criar uma cota para escola pública na Universidade. Não vou conseguir resolver transporte público, então vou facilitar o acesso à compra de veículos. Vou pagar uma suposta dívida com os negros e vou criar uma cota racial. Como construir um governo que atenda aos anseios do povo, que são imediatos, sem cair no populismo?

DEMÉTRIO – Pois é. O ponto que você coloca foi o ponto que as manifestações de junho de 2013 colocaram. Quando eles falavam em hospitais padrão FIFA, o que eles queriam dizer era que o estado, as funções do estado são funções de gerar bens púbicos. No Brasil, tivemos 10 anos de crescimento econômico relativamente alto para os padrões brasileiros sem que o estado criasse bens públicos adequados a um país de renda média. O Governo estimulou o consumo de bens privados. Consumimos celulares, TV de tela plana, eletroeletrônicos e eletrodomésticos carros como nunca, mas nossa escola pública continuou arruinada, nossos sistema de saúde pública devastado, pior do que era. A segurança pública piorou. Todo o transporte público ficou muito ruim e o governo insistiu em produzir crescimento baseado em crédito e consumo. Esse crescimento se esgotou. A recessão revela esse esgotamento. Como esta recessão ainda não bateu com toda força no emprego e na renda, o governo tem até uma chance de conseguir a reeleição, as o modelo que ele criou está completamente esgotado. Faz parte deste modelo, a ideia de cotas, a ideia de bolsas. Como você disse, soluções imediatas e individuais para problemas crônicos que permanecem. E só podem ser resolvidos se você toca nas causas. E quais são? A não produção de bens públicos – escolas, hospital, segurança, transporte. No fundo temos uma discussão sobre a função do estado e acho que esta discussão que Aécio até fez em certos momentos, mas não conseguiu aprofundar e radicalizar a discussão sobre a função do estado.


FONTE:
http://www.opovo.com.br/app/economia/2014/10/24/noticiaseconomia,3336095/confira-integra-da-entrevista-com-sociologo-demetrio-magnoli.shtml

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