Parece que se repete na atualidade a política dos EUA em relação à URSS de sete décadas atrás
O livro de Oliver Stone e Peter Kuznick “Untold History of United States” (A História Não Contada dos Estados Unidos), um bestseller da lista do jornal “New York Times”, e principalmente os capítulos que relatam as razões e resultados da política dos Estados Unidos em relação à União Soviética – às vésperas, durante e logo depois da Segunda Guerra Mundial – involuntariamente acabam por nos trazer aos dias de hoje. Isso porque fazem perceber a tremenda semelhança dos fatos.
Está em questão um dos fundamentos da política internacional, que atualmente ganha importância redobrada – a Ordem Mundial.
Nesse contexto soa como ouverture uma frase do Presidente Woodrow Wilson – “Finalmente, olhando para os Estados Unidos, o mundo conhece seu libertador” – após a assinatura do Tratado de Versalhes de 1919, onde pela primeira vez surgiu a ideia de instalar a tal Ordem Mundial.
Em vários capítulos dedicados à Segunda Guerra Mundial, principalmente quando se trata de relações bilaterais, Stone e Kuznick direta ou indiretamente abordam esse assunto. Falando de acontecimentos que anteciparam e – por que não dizer – criaram as condições favoráveis à guerra, eles mostram que o egoísmo, a prepotência e a falta de interesse na luta contra o fascismo foram decisivos para dar segurança a Hitler no seu projeto de conquistar o mundo.
Na hora de tomar a decisão de entrar ou não entrar na guerra contra o fascismo, valeu a teoria: “Se a Alemanha começar a ganhar a guerra, vamos nos juntar à Rússia. Caso a Rússia comece a vencer, vamos com a Alemanha. Por enquanto, vamos deixá-los matar uns aos outros.”
De fato, aconteceu isso mesmo. Nem a conquista pela Alemanha de praticamente toda a Europa nem a situação desesperadora do Reino Unido fizeram os Estados Unidos tomar uma decisão. Só depois do fulminante ataque dos japoneses à sua base naval de Pearl Harbor foi que os Estados Unidos anunciaram a sua entrada na guerra.
Mesmo depois de a Alemanha começar a guerra contra a União Soviética (diga-se de passagem que o Estado-Maior das Forças Armadas dos Estados Unidos imaginava que ela iria acabar em poucas semanas), tomando conhecimento da heroica resistência do Exército Vermelho, uma participação mais ativa na guerra não foi considerada.
Somente depois da Batalha de Moscou, no inverno de 1941-1942, vencida pelo Exército Vermelho, os Estados Unidos e a Inglaterra pela primeira vez começaram a pensar em colaborar com a União Soviética.
Sem concordar em abrir o segundo front, como foi solicitado pelo Governo soviético, os Estados Unidos decidiram ajudar com equipamento bélico e mantimentos. Sobre a qualidade e a velocidade da ajuda, de acordo com várias fontes mencionadas no livro de Stone e Kuznick, inclusive do jornal “New York Times”, o volume da ajuda “estava muito, mas muito longe da quantidade de equipamento militar” prometida . Era menos do que a metade, isso sem falar das dificuldades criadas por aqueles que não gostaram da ideia. “O Exército Vermelho teve perdas imensas, e assim a União Soviética poderia não ter qualquer razão para acreditar nas boas intenções dos Estados Unidos.”
Apesar de a guerra estar em sua fase inicial em 1941, Franklin Roosevelt e Winston Churchill, num encontro secreto, começaram a discutir os objetivos finais de guerra, algo parecido com o documento preparado pelo Presidente Woodrow Wilson em Versalhes.
Com o crescimento do sucesso do Exército Vermelho, Stalin voltou a insistir na abertura do segundo front. Durante a visita do ministro das Relações Exteriores da União Soviética, em maio de 1942, aos Estados Unidos, o Presidente Roosevelt prometeu abrir ainda naquele ano o segundo front, e apresentou a sua visão do mundo pós-guerra. De acordo com ele, os vencedores teriam que manter o controle sobre armamentos e formar uma “polícia internacional” com a participação de Estados Unidos, Reino Unido, União Soviética e China.
O Reino Unido, apesar do acordo com a União Soviética sobre o segundo front, não manteve em mente seguir esse caminho, correndo atrás da riqueza do petróleo do Oriente Médio e enviando suas forças para a África do Norte. Essa não foi a primeira nem a última vez que o Reino Unido descumpriu as suas promessas.
No livro de Oliver Stone e Peter Kuznick muito se fala sobre essa época, quando o povo dos Estados Unidos começou a mudar sua opinião sobre a União Soviética, baseada na fortíssima propaganda antissoviética antes e no início da Segunda Guerra. “Todos nós devemos a vida aos milhões de soldados russos que lutam e morrem nessa guerra”, escreveu o “New York Times”. “Impossível achar as palavras para avaliar o heroísmo e expressar a nossa profunda gratidão”, concluiu. Até o General Douglas MacArthur avaliou a luta do Exército Vermelho como “o maior exemplo de heroísmo militar da História”. Na véspera das comemorações da vitória na Segunda Guerra Mundial, não seria nada demais lembrar essas frases.
Somente no dia 6 de junho de 1944, após um ano e meio de promessas descumpridas, o segundo front foi aberto. Os Estados Unidos prosseguiram com o plano de pós-guerra, e realizaram em Bretton Woods a reunião dos países aliados para definir a Ordem Mundial. Exatamente nesse encontro, a maioria dos convidados apoiou a proposta dos Estados Unidos de criar um Banco Internacional, mais tarde chamado Banco Mundial, com capital de US$ 7,6 bilhões, e o Fundo Monetário Internacional, com capital de US$ 7,3 bilhões.
Sob pressão dos Estados Unidos, detentores, na época, de dois terços das reservas mundiais de ouro, foi definido que o sistema Bretton Woods fosse baseado em ouro e dólar americano. Para os EUA, a nova Ordem Mundial estava definida. O representante da União Soviética se recusou a assinar o documento.
Ao mesmo tempo, e, em particular, graças a Roosevelt e a Stalin, as negociações entre os futuros vencedores da guerra em muitos aspectos estavam adiantadas e bem sucedidas. Os dois líderes, com paciência e compreensão, em encontros e na troca de correspondência, estudaram e procuraram caminhos para atender as necessidades de seus países. Olhando para trás, pode-se dizer que aquele foi o primeiro e, pelo que parece, um dos poucos momentos da história de parceria real.
Em 12 de abril de 1945 o Presidente Roosevelt faleceu. Os acontecimentos posteriores mostraram como era frágil e artificial o acordo entre os dois líderes, apesar da grande força política dos dois. O Vice-Presidente Harry Truman assumiu a Presidência, e os acontecimentos seguintes colocaram tudo “em seus lugares”.
Sem estar preparado para assumir a Presidência, Truman ficou sob a influência de altos funcionários da linha dura do Governo americano, escolhendo rispidez e grosseria como a melhor maneira de negociar com a União Soviética. Os historiadores americanos, analisando mais tarde os documentos preparados para Truman pelo Departamento do Estado, reconheceram neles muitas distorções, que fizeram o presidente tomar decisões precipitadas e equivocadas. Somado ao seu “entusiasmo” pela bomba atômica fabricada pelos Estados Unidos, isso levou o mundo a consequências desastrosas, à Guerra Fria e, por pouco, numa outra, dessa vez verdadeira. Truman foi um dos mais mal avaliados presidentes dos Estados Unidos.
Mais uma lição até hoje não compreendida: como é difícil construir a paz e como é fácil a sua destruição.
Para quem tem interesse em conhecer mais aquele escuro período das relações internacionais, recomendamos a leitura de “Memórias”, de George F. Kennan, um dos maiores protagonistas da Guerra Fria. Vale lembrar que mais tarde ele lamentou seu papel naqueles capítulos sombrios da história das relações de Estados Unidos e União Soviética,
Como vai ser daqui para frente? Unipolar, mais hostil, com um único dono dando as cartas? Definindo o destino dos outros, com sanções, discursos inflamados na ONU, promessa de shirtfront (termo do futebol australiano, quando um jogador, para tirar a bola, derruba o adversário) e, pior do que isso, guerras, bombardeios e mortes? Ou mulipolar, mais estável e fraterno, em que cada um é dono de seu próprio nariz?
Henry Kissinger acredita que a campanha pela Ordem Mundial realizada após a Segunda Guerra chegou ao seu limite lá pelo ano 2000. E ainda acredita que os Estados Unidos possam começar a procurar uma nova Ordem Mundial – conforme escreve James R. Holmes no artigo “Pode a América Salvar a Ordem Mundial?”, publicado em “The Diplomat”, do Japão.
A realidade mostra que existe espaço para outras opiniões. E somente o tempo mostrará quem tem razão.
http://www.diariodarussia.com.br/aleksander-medvedovsky/noticias/2014/10/18/a-ordem-mundial/
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