Alexadre Havard, filósofo religioso francês, falou o 'Voz da Rússia' sobre "Falsos profetas católicos"

Colagem: Voz da Rússia

O sistema de valores ocidental atravessa uma crise evidente. Numa entrevista à Voz da Rússia, Alexadre Havard, filósofo religioso francês, falou da sua visão do Cristianismo no mundo atual, explicou a posição do Vaticano face às relações entre ele e o mundo ortodoxo, que, ao contrário do seu irmão ocidental, observa uma ascensão da fé completamente incrível.

Voz da Rússia: O que é para si o mundo católico?

Alexandre Harvard: Para mim, a religião católica não é o rito latino. Para mim, é uma religião universal, onde há lugar para todos os cultos, para todas as culturas... Mas o que é importante para mim, enquanto católico, é o lugar de Pedro na Igreja! O lugar de São Pedro! É o que a maioria dos católicos tem dificuldade em compreender. Quando pergunto: “Porque és católico?”, e me respondem: “Sou católico porque gosto do rito latino”, eu digo-lhes: “Isso não é razão! O catolicismo não é cultura. O catolicismo é fé. A base dessa fé nos católicos é: “Onde está Pedro, está a Igreja!”. Ubi Petrus ibi Ecclesia. São palavras dos Evangelhos que para os católicos são completamente compreensíveis e que eles sublinham muito. “Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja”. Nos Evangelhos há muitas frases das quais compreendemos que Pedro gozava de um estatuto especial. Os ortodoxos sublinham muito menos isso. Eu cresci na Igreja Católica, e eu acredito na fé católica, tento manter-me fiel ao catolicismo. Ao mesmo tempo,ao nível da cultura, eu estou verdadeiramente aberto a todo o mundo. E parece-me que a experiência de vida em países protestantes, na Finlândia durante 18 anos, me ensinou muito. Os protestantes não têm a Sagrada Eucaristia, nem liturgia... Eles acreditam em Jesus Cristo. Quando vives aí, começas a compreender que há pessoas absolutamente impressionantes que acreditam em Jesus Cristo, acreditam plenamente nele! Mas há católicos que não acreditam em nada. Não sou sincretista, não sou daqueles que dizem que é preciso simplificar ao máximo a religião para chegar a uma base comum. Eu digo que é preciso procurarmos juntos a verdade no Amor e no respeito! É a única forma de encontrar o santo ecumenismo, que, na realidade, é a busca da unificação.

Frequentemente, encontro pessoas que dizem que o ecumenismo é uma heresia. Na Rússia há muitas! Eu digo-lhes: se se trata de uma heresia, então Cristo é herege! Cristo rezou para unir os cristãos. Ele disse-nos: “Sejam um só, como eu e o meu pai somos!”. Ele disse isso precisamente antes da sua morte na cruz. Cristo quer que haja unidade entre os cristãos. Não se trata do Islã! A unidade deve ser construída em torno da imagem de Cristo! Isto é uma questão de princípio. O que não significa que é preciso exterminar os muçulmanos. Isso significa que é preciso tentar compreendê-los, porque no Islão há pessoas muito diferentes! Aí não há apenas fanáticos, há muitas pessoas abertas, que acreditam, etc. É preciso respeitá-los, amá-los, porque Deus os ama. E, ao mesmo tempo, devemos mantermo-nos fiéis às nossas tradições.

Voz da Rússia: Existem laços entre a ortodoxia, que se separou do catolicismo depois do Grande Cisma de 1054, e o Vaticano do Papa Francisco?

Alexandre Havard: Penso que os católicos e ortodoxos, pessoas de boa vontade, fazem tudo para que essa união seja feita. Mas todos compreendem muito bem que a unidade cristã é um dom de Deus. Ou seja, não seremos nós a fazê-la! Nós devemos rezar e penso que é maravilhoso que este ano festejámos a Páscoa juntos e, dentro em breve, será a festa do Espírito Santo. É uma oportunidade única de pedirmos insistentemente a Deus que nos conceda a união! Ou seja, Deus espera que as pessoas façam o que devem fazer da sua parte, mas nós compreendemos bem que essa união não será fruto dos nossos esforços. Não obstante, Deus necessita que revelemos da nossa parte boa vontade e desejo de união. É preciso que nos tentemos compreender uns aos outros e que trabalhemos juntos. É precisar trabalharmos juntos e Ele deve ver isso! Ele quer que nós façamos algo! Ele não nos quer trazer tudo... numa bandeja! Mas será ele que nos trará tudo numa bandeja!

A Unidade da Igreja é um incrível dom de Deus, resultado da ação máxima do Espírito Santo e isso acontecerá, penso eu, no século XXI! E isso será um renovação absolutamente incrível da Igreja! Também para a Rússia isso será um início incrivelmente novo! Penso que a grande missão da Rússia, vista por todos os grandes filósofos russos, tais como Soloviev, Berdyaev, Chaadaev, penso que a viram e que, hoje, se transforma gradualmente numa realidade que podemos sentir em nosso redor! Porque nós vemos como o Ocidente cede posição atrás de posição no que respeita aos valores espirituais e em que tudo se torna tão subjetivo! Tudo se torna positivo. E, no fim de contas, vê-se que as pessoas não têm pontos de orientação...

Isso é pouco provável para a Rússia, que, durante 70 anos, foi o império do comunismo, que era um regime profundamente doentio e talvez até diabólico, porque era uma realidade completamente anti-cristã. E 20 anos depois da renúncia ao comunismo, a Rússia é praticamente o único país na Europa que conserva, objetiva e publicamente, os valores cristãos! Penso que isso é o grande milagre dos mártires. A Rússia atual não é só os que vivem: você e eu! É também os mártires dos dias passados! É o sangue derramado na época comunista por todos os cristãos desconhecidos. Tenho em vista os que morreram nas prisões e derramaram o sangue por Cristo. São também os que vivem hoje. Essas pessoas vivem connosco, ao nosso lado! Tertuliano disse: “O sangue dos mártires é a semente do cristianismo!”

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Comentários do autor: “Compelle entrare!” Em russo: “Compelir a entrar!” Este é o princípio que a Igreja Católicautilizou a  em todas as épocas, Igreja que quer ser universal, mas que morre lentamente no seu próprio berço, no centro da zona ocidental. Tenho alguma pena de Alexandre Harvard pela sua perceção do mundo russo, que teve origem não só na tradição ortodoxa, mas é uma fusão de várias tradições culturais e religiosas, sendo as mais fortes, indubitavelmente, a ortodoxia e o Islã pacífico dos nossos antepassados. Se os sacerdotes católicos, que nos tentam levar com as suas palavras, arriscassem a ir a Kazan, veriam mesmo no centro a cidade, mesmo no território da fortaleza local, o grande templo de Ivan, o Grande, ao lado de uma mesquita com a cúpula coberta de estrelas. 70 nos depois da tomada de Kazan pelas tropas de Ivan IV, os tártaros juntamente com os russos expulsaram do Kremlin os polacos católicos que incendiaram mosteiros e, durante dois anos, cercaram a principal base do cristianismo ortodoxo: o Mosteiro de Serguei Radonezhsky, a norte de Moscou. Esta história entranhou-se profundamente nos genes dos russos, que, todos os anos, no outono, continuam a celebrar a libertação do jugo polaco-lituano. E não serão os mercenários polacos, juntamente com as tropas ucraniano-ocidentais que pilham no sudeste da Ucrânia ortodoxa e disparam contra os templos, que irão reconciliar os dois ramos da nossa religião.

Gostaria também de dizer que, infelizmente, é pouco conhecido o facto de Alexander Nevsky, santo defensor da Rússia, ter sido reconhecido como tal não porque derrotou a Ordem Teutônica dos cavaleiros cristãos, mas porque foi capaz de estabelecer a paz e unir-se com os tártaros da Horda de Ouro, que lhe prestaram grande ajuda no lançamento das bases do estado russo. Negar isso é o mesmo que negar as bases da nossa cultura.

Mais, os nossos contemporâneos tendem a esquecer que, ao contrário do Vaticano do século XXI, cuja precisa representação é Alexandre Harvard e que acredita que o catolicismo é superior à ortodoxia, porque engloba tudo, incluindo a Rússia, a Horda de Ouro reconhecia o direito a ser outra. Segundo as leis daquelas épocas, as pessoas tinham a liberdade de seguir a fé que quisessem: Islão, Cristianismo ou Budismo. Esta polifonia continua a ser ouvida nos nossos valores atuais, mas continua a ser desconhecida no Vaticano.

Os fatos citados e as opiniões expressas são da responsabilidade do autor e do entrevistado.

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