Para uma reforma do sistema financeiro e monetário internacional
na perspectiva de uma autoridade pública
de competência universal
na perspectiva de uma autoridade pública
de competência universal
Prefácio
«A situação atual do mundo exige uma ação de conjunto a
partir de uma visão clara de todos os aspectos econômicos, sociais, culturais e
espirituais. Perita em humanidade, a Igreja, sem pretender de modo algum ingerir
na política dos Estados, “tem apenas um fim em vista: continuar, sob o impulso
do Espírito consolador, a obra própria de Cristo, vindo ao mundo para dar
testemunho da verdade, para salvar, não para condenar, para servir, não para ser
servido”».(1)
Com estas palavras Paulo VI, na profética e sempre atual
Carta encíclica
Populorum progressio, de 1967, traçava de maneira límpida
«as trajetórias» da íntima relação da Igreja com o mundo: trajetórias que se
entrelaçam no profundo valor da dignidade do homem e na busca do bem comum, e
que também tornam os povos responsáveis e livres de agir em conformidade com as
suas mais elevadas aspirações.
A crise económica e financeira que o mundo está a atravessar
interpela todos, pessoas e povos, a um profundo discernimento dos princípios e
dos valores culturais e morais que estão na base da convivência social. Mas não
só. A crise empenha os agentes privados e as autoridades públicas competentes
nos planos nacional, regional e internacional, numa séria reflexão sobre as
causas e soluções de natureza política, económica e técnica.
Nesta perspectiva a crise, como ensina Bento XVI, «obriga-nos
a projectar de novo o nosso caminho, a impor-nos regras novas e a encontrar
novas formas de empenhamento, a apostar em experiências positivas e rejeitar as
negativas. Assim, a crise torna-se ocasião de discernimento e de nova
projectação. Com esta chave, mais confiante do que resignada, convém
enfrentar as dificuldades da hora actual».(2)
Os próprios líderes do G20, no Statement adoptado em
Pittsburgh em 2009, afirmaram que «the economic crisis demonstrates the
importance of ushering in a new era of sustainable global economic activity
grounded in responsibility».(3)
Acolhendo o apelo do Santo Padre e, ao mesmo tempo, fazendo
próprias as preocupações dos povos — sobretudo daqueles que mais padecem o preço
da situação contemporânea — o Pontifício Conselho «Justiça e Paz», no respeito
pelas competências das autoridades civis e políticas, tenciona propor e
compartilhar a própria reflexão: «Para uma reforma do sistema financeiro e
monetário internacional na perspectiva de uma autoridade pública com competência
universal».
Esta reflexão deseja ser uma contribuição para os responsáveis
da terra e para todos os homens de boa vontade; um gesto de responsabilidade não
apenas em relação às gerações presentes, mas sobretudo às futuras; a fim de que
nunca se perca a esperança de um porvir melhor, nem a confiança na dignidade e
na capacidade de bem da pessoa humana.
Cada pessoa individualmente, cada comunidade de pessoas, é
partícipe e responsável pela promoção do bem comum. Fiéis à sua vocação de
natureza ética e religiosa, as comunidades de crentes devem ser as primeiras a
interrogar-se a respeito da idoneidade dos meios de que a família humana dispõe
em vista da realização do bem comum mundial. A Igreja, por sua vez, é chamada a
estimular em todos, indistintamente, «aquele imenso esforço com que os homens,
ao longo dos séculos, tentaram melhorar as condições de vida, corresponde[ndo
deste modo] à vontade de Deus».(4)
1. Desenvolvimento económico e desigualdades
A grave crise económica e financeira, que hoje o mundo está a
atravessar, encontra a sua origem em múltiplas causas. Sobre a pluralidade e
sobre a importância destas causas persistem diversas opiniões: alguns sublinham,
antes de tudo, os erros ínsitos nas políticas económicas e financeiras; outros
insistem sobre as debilidades estruturais das instituições políticas, económicas
e financeiras; outros ainda, atribuem-nas a cedências de natureza ética,
ocorridas a todos os níveis, no contexto de uma economia mundial cada vez mais
dominada pelo utilitarismo e pelo materialismo. Nos diversos estádios de
desenvolvimento da crise releva-se sempre uma combinação de erros técnicos e de
responsabilidades morais.
No caso de intercâmbio de bens materiais e de serviços, são a
natureza e a capacidade produtiva, o trabalho em todas as suas múltiplas formas,
que põem um limite às quantidades, determinando um conjunto de custos e de
preços que permite, sob determinadas condições, uma distribuição eficiente dos
recursos disponíveis.
Mas em matéria monetária e financeira, as dinâmicas são
diferentes. Nas últimas décadas foram os bancos que ampliaram o crédito, o qual
gerou moeda, que por sua vez solicitou uma ulterior expansão do crédito. Desta
maneira, o sistema económico foi impelido rumo a uma espiral de inflação que,
inevitavelmente, encontrou um limite no risco sustentável para os institutos de
crédito, submetidos a um ulterior perigo de falência, com consequências
negativas para todo o sistema económico e financeiro.
Depois da segunda guerra mundial, as economias nacionais
progrediram, apesar de sacrifícios enormes para milhões, aliás para biliões de
pessoas que tinham despositado a própria confiança, com o seu comportamento de
produtores e empresários por um lado e, por outro, de poupadores e consumidores,
num progressivo e regular desenvolvimento da moeda e das finanças, em sintonia
com as potencialidades de crescimento real da economia.
A partir dos anos 90 do século passado releva-se, ao
contrário, como a moeda e os títulos de crédito a nível global aumentaram em
medida muito mais rápida do que a produção da renda, também com os preços
aplicados. Daqui derivou a formação de bolsas excessivas de liquidez e de bolhas
especulativas que depois se transformaram numa série de crises de solvibilidade
e de confiança que se propagaram e se sucederam ao longo dos anos.
Uma primeira crise verificou-se nos anos 70, até ao início dos
anos 80, e era relativa aos preços do petróleo. Em seguida, ocorreu uma série de
crises em vários países em vias de desenvolvimento. Pensemos na primeira crise
do México, nos anos 80, ou então naquelas do Brasil, da Rússia e da Coreia, e
sucessivamente de novo do México nos anos 90, da Tailândia e da Argentina.
A bolha especulativa sobre os imóveis e a recente crise
financeira têm a mesma origem no excessivo acúmulo de moeda e de instrumentos
financeiros a nível global.
Enquanto as crises nos países em vias de desenvolvimento, que
correram o risco de envolver o sistema monetário e financeiro global, foram
contidas com formas de intervenção da parte dos países mais desenvolvidos, a
crise que estourou em 2008 foi caracterizada por um factor decisivo e explosivo
em relação às precedentes. Ela foi gerada no contexto dos Estados Unidos, uma
das áreas mais relevantes para a economia e as finanças mundiais, envolvendo a
moeda da qual depende ainda hoje a esmagadora maioria dos câmbios
internacionais.
Uma orientação de cunho liberalista — hesitante em relação a
intervenções públicas nos mercados — fez propender para a falência de um
importante instituto financeiro internacional, imaginando deste modo limitar a
crise e os seus efeitos. Infelizmente, daqui derivou uma propagação de
desconfiança que impeliu a mudar repentinamente atitude, solicitando
intervenções públicas sob várias formas, de alcance enorme (mais de 20% do
produto nacional), com a finalidade de deter os efeitos negativos que teriam
arrasado todo o sistema financeiro internacional.
As consequências sobre a chamada «economia real», passando
através das graves dificuldades de alguns sectores – em primeiro lugar, da
construção civil – e através do difundir-se de expectativas desfavoráveis,
geraram uma tendência negativa da produção e do comércio internacional, com
graves reflexos sobre o emprego, e com efeitos que, provavelmente, ainda terá
novas repercussões. Os custos para milhões, aliás biliões de pessoas, nos países
desenvolvidos mas principalmente naqueles em vias de desenvolvimento, são
relevantes.
Em países e áreas onde ainda faltam os bens mais elementares
da saúde, da alimentação e do abrigo contra as intempéries, mais de um bilião de
pessoas são obrigadas a sobreviver com uma renda média de pouco mais de um dólar
por dia.
O bem-estar económico global, medido em primeiro lugar pela
produção da renda e também pela difusão das capabilities, aumentou no
decurso da segunda metade do século XX, numa medida e com uma rapidez nunca
vistas na história do género humano.
Mas também aumentaram enormemente as desigualdades no interior
dos vários países e entre eles. Enquanto alguns países e áreas económicas, as
mais industrializadas e desenvolvidas, viram crescer de maneira notável a
produção da renda, outros países foram efectivamente excluídos do melhoramento
generalizado da economia, e até chegaram a agravar a sua situação.
Os perigos de um estado de desenvolvimento económico, concebido em
termos
liberalistas, foram lúcida e profeticamente denunciados por Paulo VI —
pelas consequências nefastas sobre os equilíbrios mundiais e sobre a
paz — já em 1967, depois do Concílio Vaticano II, com a encíclica
Populorum progressio. O Sumo Pontífice indicou como condições imprescindíveis, para a
promoção de um desenvolvimento autêntico, a defesa da vida e a promoção do
crescimento cultural e moral das pessoas. Em tais fundamentos, afirmava Paulo VI,
o desenvolvimento plenário e planetário «é o novo nome da paz».(5)
Quarenta anos mais tarde, em 2007, o Fundo Monetário
Internacional reconheceu, no seu Relatório anual, por um lado a estreita conexão
entre um processo de globalização não adequadamente governado e, por outro, as
acentuadas desigualdades a nível mundial.(6) Hoje, os modernos meios de
comunicação tornam evidentes a todos os povos, ricos e pobres, as desigualdades
económicas, sociais e culturais, que se determinaram no plano global, gerando
tensões e imponentes movimentos migratórios.
Todavia, é necessário reiterar que o processo de globalização,
com os seus aspectos positivos, está na base do grande desenvolvimento da
economia mundial do século XX. Vale a pena recordar que entre 1900 e 2000 a
população mundial quase quadruplicou, e que a riqueza produzida a nível mundial
aumentou em medida muito mais rápida, de tal forma que a renda média pro
capite aumentou em grande medida. Porém, ao mesmo tempo, não aumentou a
distribuição equitativa da riqueza mas, ao contrário, em muitos casos ela
diminuiu.
Mas o que impeliu o mundo para esta direcção, extremamente
problemática também para a paz?
Antes de tudo, um liberalismo económico sem regras e
incontrolado. Trata-se de uma ideologia, de uma forma de «apriorismo económico»,
que pretende tirar da teoria as leis de funcionamento do mercado e as chamadas
leis do desenvolvimento capitalista, exasperando alguns dos seus aspectos. Uma
ideologia económica que estabeleça a priori as leis de funcionamento do
mercado e do desenvolvimento económico, sem se confrontar com a realidade, corre
o risco de se tornar um instrumento subordinado aos interesses dos países que
gozam efectivamente de uma posição de vantagem económica e financeira.
Regras e controles, mesmo se de modo imperfeito, estão muitas
vezes presentes nos planos nacional e regional; todavia, a nível internacional,
tais regras e controles dificilmente se realizam e consolidam.
Na base das desigualdades e das distorções do desenvolvimento
capitalista existe, em grande parte, para além da ideologia do liberalismo
económico, também a ideologia utilitarista, ou seja, aquele delineamento
teórico-prático pelo qual: «O útil pessoal conduz ao bem da comunidade».
Há que observar que uma semelhante «máxima» contém uma alma de verdade, mas não
se pode ignorar que nem sempre o útil individual, embora seja legítimo, favorece
o bem comum. Em diversos casos é necessário um espírito de solidariedade que
transcenda o útil pessoal, para o bem da comunidade.
Nos anos 20 do século passado, alguns economistas já tinham
advertido contra a concessão de créditos excessivos, na ausência de regras e
controles, e contra aquelas teorias que hoje se tornaram ideologias e práticas
predominantes a nível internacional.
Um efeito devastador destas ideologias, principalmente nas
últimas décadas do século passado e nos primeiros anos deste novo século, foi a
explosão da crise na qual o mundo ainda agora se encontra mergulhado.
Na sua
encíclica social, Bento
XVI identificou de maneira
específica a raiz de uma crise, que não é unicamente de natureza económica e
financeira, mas antes de tudo de natureza moral e ideológica. Com efeito, a
economia — observa o Pontífice — tem necessidade da ética para o seu
funcionamento correcto, e não de uma ética qualquer, mas de uma ética amiga da
pessoa.(7) Além disso, ele denunciou o papel desempenhado pelo utilitarismo e pelo
individualismo, assim como as responsabilidades de quantos os assumiram e
difundiram como parâmetro para o comportamento exemplar daqueles — agentes
económicos e políticos — que agem e interagem no contexto social. Mas Bento XVI
identificou e denunciou também uma nova ideologia, a ideologia da tecnocracia.
2. O papel da técnica e o desafio ético
O grande desenvolvimento económico e social do século passado,
certamente com as suas luzes mas também com os seus graves cones de sombra, é
devido também ao desenvolvimento constante da técnica e, ao longo das décadas
mais recentes, aos progressos da informática e às suas aplicações, à economia e
em primeiro lugar às finanças.
Mas, para interpretar com lucidez a actual nova questão
social, é sem dúvida necessário evitar o erro, também ele filho da ideologia
neoliberalista, de considerar que os problemas a serem enfrentados são de tipo
exclusivamente técnico. Como tais, eles evitariam a necessidade de um
discernimento e de uma avaliação de tipo ético. Pois bem, a
encíclica de Bento
XVI
adverte contra os perigos da ideologia da tecnocracia, isto é, daquela
absolutização da técnica, que «tende a produzir uma incapacidade de perceber
aquilo que não se explica meramente pela matéria»,(8) e a minimizar o valor das
escolhas do indivíduo humano concreto que age no sistema económico-financeiro,
reduzindo-as a meras variantes técnicas. O fechamento a um «suplemento»,
entendido como um acréscimo em relação à técnica, não só torna impossível
encontrar soluções adequadas para os problemas, mas empobreceria cada vez mais,
nos planos material e moral, as principais vítimas da crise.
Também no contexto da complexidade dos fenómenos, a relevância
dos factores éticos e culturais não pode, portanto, ser descuidada ou
subestimada. Com efeito, a crise revelou comportamentos de egoísmo, de avidez
colectiva e de açambarcamento de bens em grande escala. Ninguém pode resignar-se
a ver o homem como «um lobo para o outro homem», segundo a concepção
evidenciada por Hobbes. Ninguém, conscientemente, pode aceitar o desenvolvimento
de alguns países em desvantagem de outros. Se não pusermos remédio às várias
formas de injustiça, os efeitos negativos que dela derivam nos planos social,
político e económico serão destinados a gerar um clima de crescente hostilidade
e até de violência, a ponto de minar as próprias bases das instituições
democráticas, até daquelas consideradas mais sólidas.
Do reconhecimento da primazia do ser sobre o ter,
da ética sobre a economia, os povos da terra deveriam assumir, como alma da
sua própria acção, uma ética da solidariedade, abandonando todas as
formas de egoísmo avarento, abraçando a lógica do bem comum mundial, que
transcende o mero interesse contingente e particular. Em última análise,
deveriam manter vivo o sentido de pertença à família humana, em nome da
dignidade comum de todos os seres humanos: «Ainda antes da lógica da
comercialização dos valores equivalentes e das formas de justiça, que lhe são
próprias, existe algo que é devido ao homem porque é homem, com base na
sua dignidade eminente».(9)
Já em 1991, depois da falência do colectivismo marxista, o
Beato João Paulo II tinha advertido contra o risco de «uma “idolatria” do
mercado, que ignora a existência de bens que, por sua natureza, não são nem
podem ser simples mercadoria».(10) Hoje, é necessário acolher sem hesitação a sua
advertência e percorrer um caminho mais em sintonia com a dignidade e com a
vocação transcendente da pessoa e da família humana.
3. O governo da globalização
No caminho rumo à construção de uma família humana mais
fraterna e justa e, antes ainda, de um renovado humanismo aberto à
transcendência, parece ainda muito actual o ensinamento do Beato João XXIII. Na
profética Carta encíclica
Pacem in terris, de 1963, ele previa que o
mundo se ia encaminhando rumo a uma unificação cada vez maior. Portanto,
reconhecia o facto de que, na comunidade humana, faltava uma correspondência
entre a organização política, «no plano mundial, e as exigências objectivas do
bem comum universal».(11) Por conseguinte, desejava que um dia se pudesse criar
«uma Autoridade pública mundial».(12)
Face à unificação do mundo, favorecida pelo complexo fenómeno
da globalização; perante a importância de garantir, para além dos demais bens
colectivos, o bem representado por um sistema económico-financeiro mundial
livre, estável e ao serviço da económica real, hoje o ensinamento da Pacem in
terris parece ainda mais vital e digno de urgente concretização.
O próprio Bento XVI, no sulco traçado pela
Pacem in terris,
manifestou a necessidade de constituir uma Autoridade política mundial.(13) A
necessidade parece evidente, se pensarmos no facto de que a agenda das questões
a serem abordadas a nível global se torna constantemente mais ampla. Pensemos,
por exemplo, na paz e na segurança; no desarmamento e no controle dos
armamentos; na promoção e na tutela dos direitos fundamentais do homem; no
governo da economia e nas políticas de desenvolvimento; na gestão dos fluxos
migratórios e na segurança alimentar; e na salvaguarda do meio ambiente. Em
todos estes âmbitos, é cada vez mais evidente a crescente interdependência entre
Estados e regiões do mundo, e a necessidade de respostas, não apenas sectoriais
e isoladas, mas sistemáticas e integradas, inspiradas pela solidariedade e pela
subsidiariedade, e orientadas para o bem comum universal.
Como recorda Bento XVI, se não percorrermos este caminho,
também «o direito internacional, não obstante os grandes progressos realizados
nos vários campos, correria o risco de ser condicionado pelos equilíbrios de
poder entre os mais fortes».(14)
A finalidade da Autoridade pública, já recordada por João XXIII
na
Pacem in terris, consiste antes de tudo em servir o bem comum.
Portanto, ela deve dotar-se de estruturas e mecanismos adequados e eficazes, ou
seja, à altura da própria missão e das expectativas que nela são depositadas.
Isto é particularmente verdadeiro no interior de um mundo globalizado, que torna
pessoas e povos cada vez mais interligados e interdependentes, mas que mostra
também o peso do egoísmo e dos interesses sectoriais, entre os quais a
existência de mercados monetários e financeiros de cunho predominantemente
especulativo, prejudiciais para a economia real, de modo especial dos países
mais frágeis.
É um processo complexo e delicado. De facto, tal autoridade
supranacional deve possuir uma delineação realista e ser realizada com
gradualidade, com o objectivo de favorecer também a existência de sistemas
monetários e financeiros eficientes e eficazes, ou seja, mercados livres e
estáveis, disciplinados por um adequado quadro jurídico, funcionais para o
desenvolvimento sustentável e para o progresso social de todos, inspirados nos
valores da caridade na verdade.(15) Trata-se de uma Autoridade com horizonte
planetário, que não pode ser imposta com a força, mas deveria ser expressão de
um acordo livre e partilhado, além das exigências permanentes e históricas do
bem comum mundial e não fruto de coerção ou de violências. Ela deveria surgir de
um processo de amadurecimento progressivo das consciências e das liberdades, e
da rectidão de responsabilidades crescentes. Por conseguinte, não podem ser
descuidados como supérfluos elementos tais como a confiança recíproca, a
autonomia e a participação. O consenso deve dizer respeito a um número cada vez
maior de países que aderem de modo convicto, mediante aquele diálogo sincero que
não marginaliza, mas sim, valoriza as opiniões minoritárias. A Autoridade
mundial deveria, por conseguinte, abranger coerentemente todos os povos, numa
colaboração na qual eles são chamados a contribuir com o património das suas
virtudes e civilizações.
A constituição de uma Autoridade política mundial deveria ser
precedida de uma fase preliminar de concertação, da qual emergirá uma
instituição legitimada, capaz de oferecer uma guia eficaz e, ao mesmo
tempo, de permitir que cada país expresse e persiga o próprio bem particular. O
exercício de uma Autoridade como esta, colocada ao serviço do bem de todos e de
cada um, será necessariamente super partes, isto é, acima de qualquer
visão parcial e de qualquer bem particular, em vista da realização do bem comum.
As suas decisões não deverão ser o resultado do pré-poder dos países mais
desenvolvidos sobre os países mais débeis. Ao contrário, deverão ser assumidas
no interesse de todos, não só em benefício de alguns grupos, quer eles sejam
formados por lobby privadas ou por Governos nacionais.
Uma instituição supranacional, expressão de uma «comunidade
das Nações», não poderá entre outras coisas durar por muito tempo, se as
diversidades dos países, a nível das culturas, dos recursos materiais e
imateriais, das condições históricas e geográficas não são reconhecidas e
plenamente respeitadas. A ausência de consenso convicto, alimentado por uma
incessante comunhão moral da comunidade mundial, debilitaria a eficácia da
respectiva Autoridade.
O que é válido a nível nacional é válido também a nível
mundial. A pessoa não é feita para servir incondicionadamente a Autoridade, cuja
tarefa é pôr-se ao serviço da própria pessoa, em coerência com o valor
proeminente da dignidade do homem. De igual modo, os Governos não devem servir
incondicionadamente a Autoridade mundial. Ao contrário, é ela que se deve pôr ao
serviço dos vários países membros, segundo o princípio de subsidiariedade,
criando, entre outras coisas, aquelas condições socioeconómicas, políticas e
jurídicas, indispensáveis também para a existência de mercados eficientes e
eficazes, porque não são superprotegidos por políticas nacionais paternalistas,
nem debilitados por deficit sistemático das finanças públicas ou dos
produtos nacionais, que de facto impedem que os próprios mercados ajam num
contexto mundial como instituições abertas e concorrenciais.
Na tradição do Magistério da Igreja, retomada com vigor por
Bento XVI,(16)o princípio de subsidiariedade deve regulamentar as relações entre
Estado e comunidades locais, entre Instituições públicas e Instituições
privadas, sem excluir as monetárias e financeiras. Assim, a um nível ulterior,
deve reger as relações entre uma eventual futura Autoridade pública mundial e as
instituições regionais e nacionais. Um princípio como este é uma garantia quer
da legitimidade democrática quer da eficácia das decisões de quantos são
chamados a tomá-las. Permite que se respeite a liberdade das pessoas e das
comunidades de pessoas e, ao mesmo tempo, que elas sejam responsabilizadas em
relação aos objectivos e aos deveres que lhes competem.
Segundo a lógica da subsidiariedade, a Autoridade superior
oferece o seu subsidium, ou seja, a sua ajuda, quando a pessoa e
os agentes sociais e financeiros são intrinsecamente inadequados ou não
conseguem fazer por si o que lhes é pedido.(17) Graças ao princípio de
solidariedade, estabelece-se uma relação duradoura e fecunda entre a sociedade
civil planetária e uma Autoridade pública mundial, quando os Estados, os corpos
intermédios, as várias instituições — incluídas as económicas e financeiras — e
os cidadãos tomam as suas decisões dentro da perspectiva do bem comum mundial,
que transcende o nacional.
«O governo da globalização» — lê-se na
Caritas in veritate
— «deve ser de tipo subsidiário, articulado a vários níveis e em diversos
planos, que colaborem reciprocamente».(18)
Só assim se pode evitar o perigo do isolamento burocrático da
Autoridade central, que correria o risco de ser deslegitimada por um afastamento
demasiado grande das realidades sobre as quais se funda, e poderia facilmente
cair em tentações paternalistas, tecnocráticas, ou hegemónicas.
Contudo, ainda resta a percorrer um longo caminho antes de
chegar à constituição de uma tal Autoridade pública de competência universal. A
lógica pretenderia que o processo de reforma se desenvolvesse tendo como ponto
de referência a Organização das Nações Unidas, em virtude da extensão mundial
das suas responsabilidades, da sua capacidade de reunir as Nações da terra e da
diversidade das suas tarefas e das suas Agências especializadas. O fruto de tais
reformas deveria ser uma maior capacidade de adopção de políticas e opções
vinculantes porque orientadas para a realização do bem comum a nível local,
regional e mundial. Entre as políticas são mais urgentes as relativas à justiça
social global: políticas financeiras e monetárias que não danifiquem os países
mais débeis;(19) políticas destinadas à realização de mercados livres e estáveis e
a uma distribuição equitativa da riqueza mundial através também de formas
inéditas de solidariedade fiscal e global, que trataremos mais adiante.
No caminho da constituição de uma Autoridade política mundial
não se podem separar as questões da governance (ou seja, de um sistema de
simples coordenação horizontal sem uma Autoridade super partes) das
questões de um shared government (isto é, de um sistema que, além da
coordenação horizontal, estabeleça uma Autoridade super partes) funcional
e proporcionada ao desenvolvimento gradual de uma sociedade política mundial. A
constituição de uma Autoridade política mundial não pode ser alcançada sem a
prévia prática do multilateralismo, não só a nível diplomático, mas também e
sobretudo no âmbito dos planos para o desenvolvimento sustentável e para a paz.
Não se pode chegar a um Governo mundial a não ser dando expressão política a
preexistentes interdependências e cooperações.
4. Para uma reforma do sistema financeiro e monetário
internacional
correspondente às exigências de todos os Povos
correspondente às exigências de todos os Povos
Em matéria económica e financeira, as dificuldades mais
relevantes derivam da carência de um conjunto eficaz de estruturas, capaz de
garantir, além de um sistema de governance, um sistema de government
da economia e das finanças internacionais.
Que dizer desta perspectiva? Quais os passos a dar
concretamente?
Com referência ao actual sistema económico e financeiro
mundial devem ser realçados dois factores determinantes: o primeiro é uma
diminuição gradual da eficiência das instituições de Bretton Woods, a partir dos
primeiros anos Setenta. Em particular, o Fundo Monetário Internacional assumiu
um carácter essencial para a estabilidade das finanças mundiais, o de regular a
criação global de moeda e de vigiar sobre o montante de risco de crédito
assumido pelo sistema. Em conclusão, já não se dispõe daquele «bem público
universal» que é a estabilidade do sistema monetário mundial.
O segundo factor é a necessidade de um corpus mínimo
partilhado de regras necessárias à gestão do mercado financeiro global, que
cresceu muito mais rapidamente do que a economia real, tendo-se desenvolvido
velozmente por efeito, por um lado, da ab-rogação generalizada dos controles
sobre os movimentos de capitais e da tendência à desregulamentação das
actividades bancárias e financeiras; e por outro, dos progressos da técnica
financeira favorecidos pelos instrumentos informáticos.
A nível estrutural, na última parte do século passado, a moeda
e as actividades financeiras a nível global cresceram muito mais rapidamente do
que a produção de bens e serviços. Neste contexto, a qualidade do crédito tendeu
para diminuir até expor os institutos de crédito a um risco superior àquele
razoavelmente sustentável. É suficiente olhar para o destino de grandes e
pequenos institutos de crédito no contexto das crises que se manifestaram nos
anos Oitenta e Noventa do século passado e por fim para a crise de 2008.
Sempre na última parte do século passado, cresceu a tendência
a definir as orientações estratégicas da política económica e financeira no
âmbito de clubes e grupos mais ou menos difundidos de países mais
desenvolvidos. Mesmo sem negar os aspectos positivos desta abordagem, não se
pode deixar de observar que ela parece não respeitar plenamente o princípio
representativo, em particular dos países menos desenvolvidos ou emergentes.
A necessidade de ter em consideração a voz de um maior número
de países induziu, por exemplo, ao alargamento dos supracitados grupos, passando
assim do G7 ao G20. Esta foi uma evolução positiva, porque permitiu chamar em
causa na economia e na finança global, a responsabilidade de países com mais
elevada população, em vias de desenvolvimento e emergentes.
Por conseguinte, no âmbito do G20 podem amadurecer orientações
concretas que, oportunamente elaboradas nas apropriadas sedes técnicas, poderão
orientar os órgãos competentes a nível nacional e regional para a consolidação
das instituições existentes e para a criação de novas instituições com
instrumentos apropriados e eficazes a nível internacional.
Os próprios representantes do G20, na Declaração final de Pittsburg de 2009, aliás, afirmam como «a crise económica demonstra a
importância de iniciar uma nova era da economia global fundada na
responsabilidade». Para fazer face à crise e abrir uma nova era «da
responsabilidade», além das medidas de tipo técnico e a curto prazo, os
representantes sugerem a proposta de uma «reforma da arquitectura global
para enfrentar as exigências do século XXI»; e por conseguinte a de «um quadro
que permita definir as políticas e as medidas comuns para gerar um
desenvolvimento global sólido, sustentável e equilibrado».(20)
Por conseguinte, é necessário iniciar um processo de reflexão
profunda e de reformas, percorrendo caminhos criativos e realistas, que tendam a
valorizar os aspectos positivos das instituições e dos fora já
existentes.
Deveria ser dedicada uma atenção específica à reforma do
sistema monetário internacional e, em particular, ao compromisso por dar vida a
algumas formas de controle monetário global, aliás já implícita nos Estatutos do
Fundo Monetário Internacional. É evidente que, de certa forma, isto equivale a
pôr em questão os sistemas de câmbio existentes, para encontrar modos eficazes
de coordenação e supervisão. Trata-se de um processo que deve incluir também os
países emergentes e em vias de desenvolvimento ao definir as etapas de uma
adaptação gradual dos instrumentos existentes.
No horizonte delineia-se, em perspectiva, a exigência de um
organismo que desempenhe as funções de uma espécie de «Banco central mundial»
que regule o fluxo e o sistema dos intercâmbios monetários, como os Bancos
centrais nacionais. É necessário redescobrir a lógica de fundo, de paz,
coordenação e prosperidade comum, que levaram aos Acordos de Bretton Woods, para
fornecer respostas adequadas às actuais questões. A nível regional tal processo
poderia ser praticado com a valorização das instituições existentes, como por
exemplo o Banco Central Europeu. Isto exigiria, contudo, não só uma reflexão a
nível económico e financeiro, mas também e antes de tudo, a nível político, em
vista da constituição de equivalentes instituições públicas que garantam a
unidade e a coerência das decisões comuns.
Estas medidas deveriam ser concebidas como alguns dos
primeiros passos na perspectiva de uma Autoridade pública de competência
universal; como uma primeira etapa de um esforço mais prolongado da comunidade
mundial de orientar as suas instituições para a realização do bem comum. Outras
etapas deverão seguir-se, tendo em consideração que as dinâmicas que conhecemos
podem acentuar-se, mas também ser acompanhadas de mudanças que hoje seria vão
tentar prever.
Neste processo é necessário recuperar a primazia do espiritual
e da ética e, com eles, a primazia da política — responsável do bem comum —
sobre a economia e sobre as finanças. É preciso reconduzir estas últimas para
dentro dos confins da sua real vocação e da sua função, incluída a social, tendo
em conta as suas evidentes responsabilidades em relação à sociedade, para dar
vida a mercados e instituições financeiras que estejam efectivamente ao serviço
da pessoa, isto é, que sejam capazes de responder às exigências do bem comum e
da fraternidade universal, transcendendo qualquer forma irrelevante de
economicismo e mercantilismo performativo.
Por conseguinte, com base nesta abordagem de tipo ético
torna-se então oportuno reflectir, por exemplo:
- sobre medidas de aplicação de taxas das transações financeiras, mediante impostos equitativos, mas reguladas com encargos proporcionados à complexidade das operações, sobretudo das que se efectuam no mercado «secundário». Este modo de imposto seria muito útil para promover o desenvolvimento global e sustentável segundo princípios de justiça social e da solidariedade; e poderia contribuir para a constituição de uma reserva mundial, para apoiar as economias dos países atingidos pela crise, assim como o saneamento do seu sistema monetário e financeiro;
- sobre formas de recapitalização dos bancos também com fundos públicos condicionando o apoio a comportamentos «virtuosos» e finalizados a desenvolver a economia real;
- sobre a definição do âmbito e da actividade de crédito ordinário e de Investment Banking. Esta distinção permitiria uma disciplina mais eficaz dos «mercados-sombra» privados de controles e de limites.
Um realismo sadio exigiria o tempo necessário para construir
amplos consensos, mas o panorama do bem comum universal está sempre presente com
as suas exigências iniludíveis. Portanto, é desejável que todos os que, nas
Universidades e nas várias Instituições, são chamados a formar as classes
dirigentes de amanhã se dediquem a prepará-las para as suas responsabilidades de
discernir e de servir o bem público global num mundo em constante mudança. É
necessário eliminar a diferença actual entre formação ética e preparação
técnica, evidenciando de modo particular a iniludível sinergia entre os dois
planos da praxis e da poiésis.
O mesmo esforço é exigido a todos aqueles que estão em
condições de iluminar a opinião pública mundial, para a ajudar a enfrentar este
mundo novo já não na angústia mas na esperança e na solidariedade.
Conclusões
Nas actuais incertezas, numa sociedade capaz de mobilizar
meios ingentes, mas cuja reflexão a nível cultural e moral permanece inadequada
em relação ao seu uso em vista da consecução de fins apropriados, somos
convidados a não desanimar e a construir sobretudo um futuro com sentido para as
gerações vindouras. Não se deve temer propor coisas novas, mesmo se podem
desestabilizar equilíbrios de forças preexistentes que dominam os mais débeis.
Elas são uma semente lançada à terra, que germinará e não tardará a dar os seus
frutos.
Como exortou Bento XVI, são indispensáveis pessoas e agentes a
todos os níveis — social, político, económico, profissional — movidos pela
coragem de servir e promover o bem comum mediante uma vida boa.(21) Só eles
conseguirão viver e ver além das aparências das coisas, apercebendo-se da
diferença entre o real existente e o possível nunca experimentado.
Paulo VI ressaltou a força revolucionária da «imaginação
perspéctica», capaz de entrever no presente as possibilidades nele
inscritas, e
de orientar os homens para um futuro novo.(22) Libertando a imaginação, o
homem
liberta a sua existência. Mediante um compromisso de imaginação comunitária
é possível transformar não só as instituições mas também os estilos de vida, e
suscitar um futuro melhor para todos os povos.
Os Estados modernos, com o tempo, tornaram-se conjuntos
estruturados, concentrando a soberania no âmbito do próprio território. Mas as
condições sociais, culturais e políticas mudaram progressivamente. Cresceu a sua
interdependência — de tal modo que se tornou natural pensar numa comunidade
internacional integrada e regida cada vez mais por um ordenamento partilhado —
mas não desapareceu uma forma inferior de nacionalismo, segundo a qual o
Estado considera poder obter de modo autárquico o bem dos seus cidadãos.
Actualmente tudo isto parece uma forma irreal e anacrónica.
Hoje todas as nações, pequenas ou grandes, juntamente com os seus Governos,
estão chamadas a superar aquele «estado de natureza» que vê os Estados em perene
luta entre eles. Apesar de alguns seus aspectos negativos, a globalização está a
unificar em maior medida os povos, solicitando-os a orientar-se para um novo
«estado de direito» a nível supranacional, apoiado por uma colaboração mais
intensa e fecunda. Com uma dinâmica análoga à que no passado pôs fim à luta
«anárquica» entre clãs e reinos rivais, em vista da constituição de Estados
nacionais, a humanidade deve hoje comprometer-se na transição de uma situação de
lutas arcaicas entre entidades nacionais, para um modelo de sociedade
internacional mais concorde, poliárquico, respeitador das identidades de cada
povo, dentro da multíplice riqueza de uma única humanidade. Tal passagem, aliás
já timidamente em acto, garantiria aos cidadãos de todos os países — qualquer
que seja a sua dimensão ou força — paz e segurança, desenvolvimento, mercados
livres, estáveis e transparentes. «Como no âmbito dos Estados individuais […] o
sistema da vingança privada e da represália foi substituído pelo império da lei»
— adverte João Paulo II — «de modo que agora é urgente que um semelhante
progresso se realize na Comunidade internacional».(23)
Os tempos para conceber instituições com competência universal
chegam quando estão em jogo bens vitais e partilhados por toda a família humana,
que os Estados individualmente não são capazes de promover e proteger sozinhos.
Por conseguinte, existem as condições para a superação
definitiva de uma ordem internacional «westphaliana», na qual os Estados sentem
a exigência da cooperação, mas não aproveitam a oportunidade de uma integração
das respectivas soberanias para o bem comum dos povos.
É tarefa das gerações presentes reconhecer e aceitar
conscientemente esta nova dinâmica mundial rumo à realização de um bem comum
universal. Certamente, esta transformação será feita ao preço de uma
transferência gradual e equilibrada de uma parte das atribuições nacionais para
uma Autoridade mundial e para as Autoridades regionais, mas isto é necessário
num momento em que o dinamismo da sociedade humana e da economia e o progresso
da tecnologia transcendem as fronteiras, que no mundo globalizado estão de facto
viciadas.
A concepção de uma nova sociedade, a construção de novas
instituições com vocação e competência universais, são uma prerrogativa e um
dever para todos, sem distinção alguma. Está em jogo o bem comum da humanidade e
o próprio futuro.
Neste contexto, para cada cristão há uma especial chamada do
Espírito a comprometer-se com decisão e generosidade, para que as múltiplas
dinâmicas em acto se orientem para uma perspectiva de fraternidade e de bem
comum. Abrem-se imensos estaleiros de trabalho para o desenvolvimento integral
dos povos e de cada pessoa. Como afirmam os Padres do Concílio Vaticano II,
trata-se de uma missão ao mesmo tempo social e espiritual, que «na medida em que
pode contribuir para ordenar melhor a sociedade humana, é de grande importância
para o reino de Deus».(24)
Num mundo em vias de rápida globalização, a referência a uma
Autoridade mundial torna-se o único horizonte compatível com as novas realidades
do nosso tempo e com as necessidades da espécie humana. Mas não se deve
esquecer, contudo, que esta passagem, considerando a natureza ferida dos homens,
não se realiza sem angústias e sem sofrimentos.
A Bíblia, com a narração da Torre de Babel (Génesis 11,
1-9) adverte sobre como a «diversidade» dos povos se possa transformar em
veículo de egoísmo e instrumento de divisão. Na humanidade está muito presente o
risco de que os povos acabem por já não se compreenderem e de que as
diversidades culturais sejam motivo de contraposições insuperáveis. A imagem da
Torre de Babel adverte-nos também que é preciso evitar uma «unidade» só
aparente, na qual não cessam egoísmos e divisões, porque os fundamentos da
sociedade não são estáveis. Nos dois casos, Babel é a imagem do que os povos e
os indivíduos podem tornar-se, quando não reconhecem a sua intrínseca dignidade
transcendente e a sua fraternidade.
O espírito de Babel é a antítese do Espírito de Pentecostes (Actos
2, 1-12), do desígnio de Deus para toda a humanidade, isto é, a unidade na
diversidade. Só um espírito de concórdia, que supere divisões e conflitos,
permitirá que a humanidade seja autenticamente uma única família, chegando a
conceber um novo mundo com a constituição de uma Autoridade pública mundial, ao
serviço do bem comum.
Notas
1 Paulo VI, Carta encíclica
Populorum progressio, n.
13.
2 Bento XVI, Carta encíclica
Caritas in veritate, n.
21.
3 Leaders’ Statement, The Pittsburgh Summit, September
24-25, 2009; Annex, 1.
4 Concílio Vaticano II, Constituição pastoral sobre a Igreja
no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, n. 34.
5 Carta encíclica
Populorum progressio, nn. 76 ss.
6 Cf. International Monetary Fund, Annual Report 2007,
págs. 8 ss.
7 Cf. Carta encíclica
Caritas in veritate, n. 45.
8 Ib., n. 77.
9 João Paulo II, Carta encíclica
Centesimus annus, n.
34.
10 Ib., n. 40.
11 João XXIII, Carta encíclica
Pacem in terris, n. 134.
12 Cf. ib., nn. 134-141.
13 Cf. Carta encíclica
Caritas in veritate, n. 67.
14 Ib.
15 Cf. ib.
16 Cf. ib., nn. 57 e 67.
17 Cf. ib., n. 57.
18 Ib.
19 Cf. Concílio Vaticano II, Constituição pastoral sobre a
Igreja no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, n. 70.
20 Leaders' Statement, The Pittsburgh Summit, September
24-25, 2009; cf. Annex, § 1; G20 Framework for Strong, Sustainable,
and Balanced Growth, § 1; Leaders' Statement, nn. 18, 13.
21 Cf. Carta encíclica
Caritas in veritate, n. 71.
22 Paulo VI, Carta apostólica
Octogesima adveniens, n.
37.
23 Carta encíclica
Centesimus annus, n. 52.
24 Concílio Vaticano II, Constituição pastoral sobre a Igreja
no mundo contemporâneo
Gaudium et spes, n. 39.
FONTE:
http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20111024_nota_po.html
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