Internet não pode pagar sozinha pela espionagem eletrônica, diz cientista
A
internet está "pagando o pato" sozinha nessa história de espionagem,
diz Demi Getschko, um dos membros do Comitê Gestor da Internet no Brasil
(CGI.br). Pioneiro da internet no Brasil, Getschko é defensor do
caráter livre da rede mundial de computadores. Ele lembra que a
bisbilhotagem eletrônica começou na infraestrutura, aconteceu em
telefonia e, eventualmente, na internet, mas só se discute como a
internet pode ser mais segura, como pode deixar de vazar dados etc.
"Na verdade, o vazamento é de cabo submarino e de
infraestrutura. Aonde os cabos chegam são monitorados. O vazamento em
telefonia é um vazamento em telecomunicações. Tem outras coisas
envolvidas, como o vazamento de e-mails. Bom, aí estamos em outra área, e
não queria que a internet fosse pagar o pato aí", destaca Getschko.
Para ele, a internet se desenvolveu muito bem no Brasil,
não está atrasada em relação a nenhum lugar no mundo, mas, claro, em
volume menor, porque o país tem dificuldade de infraestrutura e custo,
sob o ponto de vista econômico. Ao fazer um balanço da introdução da
rede no País, ele diz, categoricamente, que foi tudo normal do ponto de
vista da introdução da novidade.
"Quando a web nasceu, veio para o Brasil. Quando o
Facebook nasceu, veio para o Brasil e, quando o Orkut surgiu, o País foi
um dos que adotaram pesadamente [a rede de relacionamentos]. Então, o
Brasil não tem perdido em nada o pé nesta evolução da internet",
ressaltou.
Com esse argumento, Getschko diz que o Brasil não tem
perdido em nada "nesta evolução da internet" e é por isso que insiste em
ter uma declaração de princípios, como é o Marco Civil, "não para
consertar o que está errado, mas para prevenir doenças e infecções que
ela [internet] possa ter".
No perfil que traçou da rede no Brasil, ele destaca o
começo, quando ainda não existia regulação. "Era preciso apenas ter a
licença para ser provedor de internet. Mandic, UOL e BOL criaram seus
provedores, simplesmente, porque tiveram a iniciativa e resolveram
arriscar naquilo", lembrou.
Para Getschko, dessa forma, sem barreira de entrada,
houve crescimento rápido e com muito conteúdo em português. Segundo o
cientista, a Lei Geral das Telecomunicações reconhece duas camadas
distintas. Uma camada regulada, que é a das telecomunicações, com a
Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), e uma camada de valor
adicionado, que é de conteúdo, de neutralidade e que não deve ser
regulada por ninguém, sendo livre e neutra. "É um ponto do Marco Civil",
diz Getschko, que defende a privacidade e a proteção de dados dos
cidadãos.
Por mais que se diga que a rede foi criada durante a
guerra fria, como defesa após uma possível hecatombe apocalíptica e
outras histórias desse tipo, Getschko defende o caráter livre da
internet. Segundo ele, a rede nasceu de um projeto com dinheiro do
Departamento de Defesa dos Estados Unidos, mas o pessoal que se envolveu
era o da ciência, da pesquisa, eram engenheiros da melhor qualidade, na
Califórnia, onde funcionava o centro da contracultura dos anos 1970.
Era um pessoal que estava envolvido em todo o movimento
cultural, que penetrou nos conceitos básicos da internet, enfatiza o
cientista. De acordo com ele, o dinheiro era militar – os militares
tinham aplicações para o novo projeto, como vários outros projetos são
desenvolvidos de uma fonte genérica. "Mas o produto veio de cabeças
abertas, de algo que não tem centro, não tem controle, que é aberto para
todo mundo e que é basicamente libertário. Isto transpira até no nome
que deram às coisas. Os padrões que a internet gera chamam-se request
for comment [RFC, em português, solicitamos comentários]", destaca. Os
RFCs são documentos que tratam de padrões na internet. Ou seja, nada é
imposto e a comunidade tem liberdade para comentar, explica.
Getschko ressalta, além disso, que a internet foi
concebida para ser uma rede ponto a ponto, onde um equipamento fala com o
outro diretamente, sem que alguém filtre no meio do caminho. "Ninguém
deveria filtrar nada no meio do caminho".
Outra discussão, informa, é que a rede precisa ser
simples para poder crescer, sem qualquer complexidade. "Aí vem as
discussões sobre criptografia, como fazemos e-mail protegido, como
atendemos o decreto da Presidência, sobre as comunicações nacionais etc.
São complicações que não são da internet. São das bordas. Aliás, isso
não deve ser tributado à internet, que está pagando o pato sozinha nessa
história da espionagem, e isso é injusto".
Demi Getschko esteve em João Pessoa no início de dezembro, onde participou da Conferência Brasil-Canadá 3.0.
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