Depois da leitura deste texto, você certamente continuará admirando Chaplin, mas terá também uma visão mais ampla sobre o homem que Carlitos eventualmente escondia
Carlitos é tão imenso, tão universal, que engolfou Chaplin. Quem é
Carlitos? Quem é Chaplin? Carlitos e Charles (Charlie) Spencer Chaplin
(1889-1977) se tornaram, com o tempo, uma só pessoa. O personagem se
tornou indivíduo e o indivíduo se tornou personagem. Um mito do século
20 que certamente migrará para os próximos séculos. Um ator e diretor
admirável, praticamente incomparável. Mas o homem que dizia “amo as
mulheres, mas não as admiro” é conhecido apenas dos que apreciam
biografias, algumas não raro tediosas e exageradas. Para conhecer a vida
e a obra, em sua diversidade, é fundamental ler “Chaplin — Uma
Biografia Definitiva” (Editora Novo Século, 792 páginas), de David
Robinson. Há uma apresentação nuançada das contradições do
artista-indivíduo. “Charlie Chaplin” (Zahar, 120 páginas), de André
Bazin, é um clássico. Como vou me ater exclusivamente sobre um aspecto
às vezes negligenciado da vida do rei do entretenimento de qualidade, o
sexual, cito apenas “A Vida Íntima Sexual de Gente Famosa” (Record, 521
páginas, tradução de Vera Mary Whately), de Irving Wallace, Amy Wallace,
David Wallechinsky e Sylvia Wallace. Sensacionalista? Sim, mas com
histórias confirmadas pelos livros ditos sérios. A obra não diminui o
artista, mas torna o homem mais “mortal”, quer dizer, menos “angelical”.
Porque Carlitos aproxima Chaplin de um querubim.
Depois da leitura deste texto, você certamente continuará admirando
Chaplin, o genial diretor-ator de “O Garoto” (1920), “Em Busca do Ouro”
(1925), “Luzes da Cidade” (1931) e “Tempos Modernos” (1936), mas terá
também uma visão mais ampla sobre o homem que Carlitos eventualmente
escondia. O pai de Chaplin, Charles, era alcoólatra e sua mãe tinha
problemas mentais. Como o pai abandonou a família e sua mãe vivia
internada em sanatórios, o menino passou a infância nas ruas, orfanatos e
casas de correção. O adolescente trabalhou como barbeiro, faxineiro de
teatro e figurante em peças de vaudeville.
Nascido na Inglaterra, Chaplin foi para os Estados Unidos em 1913,
aos 24 anos. Integrante da Companhia Fred Karno, “um grupo inglês de
teatro vaudeville”, chamou a atenção do produtor Mack Sennet, que o
convocou para o cinema. Agradou o público americano e, depois de oito
filmes, amealhou 1 milhão de dólares — na época, uma fortuna
considerável. Em sete anos, de 1913 a 1920, fez 69 filmes mudos.
“Perfeccionista temperamental, frequentemente rodava 50 vezes a
quantidade de metragem necessária.”
Um dos primeiros workaholics do cinema, Chaplin não parava. Era uma
“máquina” de produzir filmes, quase sempre de alta qualidade. Ao mesmo
tempo que trabalhava muito, o ator-diretor tinha uma vida sexual intensa
e pouco ortodoxa. Ele dizia que gostava de fazer sexo quando “estava
chateado”. “Sua preferência era por garotinhas; o resultado disso foram
quatro casamentos (três com mulheres de 18 anos ou mais moças), 11
filhos, e um harém de amantes.”
Homem de energia invulgar, tanto artística quanto física, Chaplin
batizou seu pênis de “oitava maravilha do mundo” — devido ao tamanho
“avantajado”. “Chaplin gostava mais do que qualquer outra coisa de
deflorar uma meninota virgem”, nota Irving Wallace. “A forma mais bonita
da natureza humana é a menina bem mocinha começando a desabrochar”,
disse, nada politicamente correto para os tempos atuais.
Chaplin tinha o hábito de acolher meninas em seu estúdio. A primeira
da lista, Mildred Harris, tinha 14 anos, em 1916, quando entrou para o
círculo íntimo do diretor. Chaplin prometeu que a garota seria estrela
de um filme, mas, quando ela disse que estava grávida, o diretor não
gostou. Sob pressão da mãe de Mildred, teve de se casar, em 1918. “A
gravidez de Mildred era alarme falso.” Mais tarde, tiveram um filho, com
deficiência física, que viveu apenas três dias. O ator e a alpinista
social se divorciaram em 1920.
Irving Wallace conta que, para atrair garotas, Chaplin contratava
“artistazinhas” para dublar a atriz principal, “tanto em cena como na
cama”. Lita Gray chamou a atenção do diretor quando tinha somente 6
anos. Aos 12 anos, andava pelo estúdio de Chaplin “sob os olhares
amorosos do seu diretor dominador. (…) Em 1923, durante a filmagem de
‘Em Busca do Ouro’, tentou violentá-la no quarto de hotel que ela
ocupava. ‘Ele beijou minha boca e meu pescoço e seus dedos voaram para o
meu corpo apavorado’, escreveu Lita”. Mas Chaplin não era um Casanova
que desistia. Depois de muito insistir, “tirou a virgindade de Lita”, na
sauna de sua casa. “Chaplin era muito consciente de seu charme sexual.
Uma vez, quando Lita comentou que ele podia provavelmente ter qualquer
uma de cem meninas em dois minutos, Chaplin corrigiu-a rapidamente.
‘Cem, não’, disse ele, ‘mil’.” Como o diretor não usava preservativos,
pois achava-os “repelentes”, Lita, de 16 anos, ficou grávida. Chaplin
tinha 35 anos.
Ao ser informado por Lita da gravidez, Chaplin sugeriu que abortasse.
Lita rejeitou a proposta e não quis 20 mil dólares para se casar com
outro homem. “Ameaçado por um processo de paternidade e acusação de
estupro, Chaplin concordou em se casar. Na viagem do México a Los
Angeles, depois do casamento, em 24 de dezembro de 1924, ele sugeriu à
sua mulher grávida que se suicidasse, atirando-se pela janela do trem.
Ainda assim, apesar de sua hostilidade, Chaplin conseguia separar o sexo
da afeição, declarando que podia fazer amor com Lita embora a
detestasse”, revela Irving Wallace. Em 1926 — bem antes, portanto, das
investigações implacáveis do FBI de Edgar J. Hoover e do macarthismo —,
Lita, então com dois filhos de Chaplin, pediu divórcio. Na ação — cópias
eram vendidas nas ruas —, Lita dizia (é sua versão, mas crível) que
“Chaplin teve nada menos do que cinco amantes durante os dois anos de
casado; ameaçou-a com um revólver carregado mais de uma vez; quis tentar
um ‘ménage à trois’, e demonstrou grande desejo em fazer amor em frente
a uma plateia”. Lita também se recusava a fazer sexo oral em Chaplin, o
que o deixava irritado.
A terceira mulher de Chaplin, a atriz Paulette Goddard, não era menor
quando se casaram. Tinha 20 anos. O casamento, realizado no seu iate, o
“Panacea”, naufragou cedo. Em 1941, Joan Barry, de 22 anos, começou a
persegui-lo, dizendo-se apaixonada. O artista gostou, mas apenas no
início. Porque Joan era maluca e quebrava janelas de sua casa e ameaçava
se matar. Tinha o hábito de invadir sua casa e, por isso, Chaplin
chamou a polícia para prendê-la. Estava grávida de três meses, mas o
diretor não se importou com isso e Joan ficou um mês detida.
Em seguida, quando seus filhos assediavam Oona O’Neill (1925-1991),
filha do dramaturgo Eugene O’Neill, Chaplin, sempre atento às meninas
novas, cantou-a e prometeu-lhe casamento. Levou a melhor. Oona tinha 17
anos. Eles se casaram em 1943. Foram felizes, dizem as biografias. Aos
54 anos, Chaplin parecia sossegado, ainda que existam suspeitas de que
tenha mantido algumas amantes. Mas sua vida, pouco a pouco, foi deixando
de ser escandalosa e os tabloides perderam o precioso maná.
Mesmo se relacionando com a equilibrada Oona, Chapin continuava
“perseguido” por Joan Barry, que, além de um processo de paternidade,
exigia uma polpuda pensão. Chaplin deu-lhe dinheiro e, por isso, acabou
indiciado pelo governo. No julgamento, um verdadeiro circo, o advogado
de Joan disse que Chaplin era “um nanico de Svengali” e “um homem
desprezível e libidinoso”. Talvez seja uma síntese do Chaplin que se
esconde na pele do “romântico” Carlitos, mas, claro, há também um
evidente exagero, porque o ator-diretor, como criador, era muito mais do
que disse o advogado. Como um exame mostrou, a criança não era filha do
famoso diretor. Na verdade, Joan e o advogado queriam arrancar dinheiro
do milionário Chaplin, o Pelé do cinema. Para chocar a plateia, e para
forçar Chaplin a negociar, o advogado chegou a dizer que, sexualmente, o
artista era impotente. Aos 55 anos, sem qualquer receio, Chaplin disse
que “ainda era bastante potente sexualmente”. Irving Wallace declara
que, embora absolvido e não fosse o pai da criança, “foi obrigado a
pagar pensão”.
Como a imprensa e políticos americanos, como o senador Joseph
McCarthy, anticomunista ferrenho, começaram a “perseguir” Chaplin, assim
como fizeram com outros atores e diretores de cinema, o artista e Oona
mudaram para a Suíça. Segundo Irving Wallace, Chaplin e Oona eram
“felizes” e mantinham um relacionamento “sereno”. “Se tivesse conhecido
Oona ou uma moça como ela há muitos anos, jamais teria tido problemas
com mulheres. Toda minha vida esperei por ela sem nunca saber”, disse
Chaplin — culpando, claro, as mulheres e perdoando-se pela libido
exacerbada. As biografias admitem que procede que muitas mulheres se
aproximavam do diretor para arrancar dinheiro ou conseguir bons papeis
em seus filmes. Eram alpinistas sociais ou profissionais. “Chaplin teve
mais oito filhos — o último quando estava com mais de 70 anos.”
O que se disse acima diminui Chaplin? Como artista, não. Porque os
filmes de Chaplin aproximam-se de arte, porque são finamente
perspicazes, artesanais e suas digitais aparecem com firmeza. Alfred
Hitchcock e John Ford aproximavam-se de Chaplin. Ao mesmo tempo, como
queria o próprio Chaplin, que jamais se considerou ideólogo, são
entretenimento de primeira. Como escreveu o poeta Carlos Drummond de
Andrade, “ó Carlito, meu e nosso amigo, teus sapatos e teu
bigode/caminham numa estrada de pó e de esperança”. Chaplin e Drummond,
“cansados” de serem modernos, se tornaram eternos, possivelmente. Com a
recuperação de uma parte de sua vida que é intencionalmente esquecida,
soterrada pelo mito, o da perfeição, e pelo crítico corrosivo da
sociedade moderna, a que transforma o homem em máquina, tão descartável
quanto uma máquina velha, o homem Chaplin talvez saia menor. Mas é
provável, se visto de outro prisma, que o homem fica mais humano, com
suas contradições e idiossincrasias. A vida sexual desregrada — às vezes
com mulheres oportunistas, mesmo menores — integra a vida íntima do
cidadão Chaplin.
Um campeão do sexo numa era pré-Viagra
As mulheres menos famosas aproximavam-se de Charlie Chaplin por
dinheiro ou para conquistar um papel de proa em seus filmes. O diretor
dava algum dinheiro e aproveitava-se — se é que só ele se aproveitava —
de quase todas que o beiravam. Mas Chaplin, segundo Irving Wallace e
parceiros, também “orgulhava-se de ir para a cama com mulheres
influentes. Algumas das que conquistou foram Clare Sheridan, prima do
primeiro-ministro inglês Winston Churchill; as atrizes Mabel Normand,
Edna Purviance, Pola Negri, Louise Brooks e Marion Davies, a estrela que
teve um longo caso com William Randolph Hearst [o inimigo de Orson
Welles], e Peggy Hopkins Joyce, uma ‘Ziegfield Girl, que se tornou uma
das mulheres mais ricas do mundo casando-se com cinco milionários. Ela e
Chaplin eram muitas vezes vistos nadando nus perto da Ilha de
Catalina”.
Chaplin tinha o hábito de recitar passagens eróticas de “Fanny Hill” e
“O Amante de Lady Chaterley”, o belo (e proibido) romance de D. H.
Lawrence, para as mulheres com as quais fazia sexo. Era um fenômeno na
cama, segundo Irving Wallace. Ele tinha seis relações sexuais seguidas —
antes do Viagra e do Cialis —, “com intervalos de cinco minutos, entre
cada uma”. Gostava de voyeurismo. “Montou um telescópio de longo alcance
em sua casa, que permitia ver o quarto de dormir de John Barrymore.”
Um de seus pensamentos preferidos: “Nenhuma arte pode ser aprendida
de repente. E fazer amor é uma arte sublime, que exige prática para ser
verdadeira e significativa”.
FONTE:
http://www.revistabula.com/1090-pedofilo-carlitos-escondeu/
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