Mesmo
que sejam adotadas pelo presidente Barack Obama, as recomendações de
mudanças na maneira como a Agência de Segurança Nacional americana (NSA,
na sigla em inglês) opera não devem alterar profundamente as práticas
de espionagem internacional seguidas pelos Estados Unidos, disse à BBC Brasil o ex-analista da CIA Paul Pillar.
"A comissão (que elaborou as recomendações) escreveu
claramente em seu relatório que o objetivo é dar maior tranquilidade ao
público americano (em relação à proteção de sua privacidade), e não
mudar fundamentalmente a natureza ou a forma desse tipo de coleta de
informações", diz Pillar, veterano da CIA com 28 anos de carreira e
especialista em inteligência e política de segurança nacional americana.
Entre as 46 sugestões feitas pelos cinco especialistas
encarregados por Obama de elaborar o relatório está a de que a coleta de
dados sobre líderes estrangeiros só possa ser realizada com aprovação
prévia da Casa Branca e após profunda análise da relevância dos dados e
das consequências de um suposto vazamento sobre a operação.
"Caso Obama decida adotar essa recomendação, a tendência
no curto prazo é buscar o menor risco e dizer à NSA para fazer menos
esse tipo de coleta de informações", diz Pillar.
"Porque se houver novo vazamento, de que a presidente do
Brasil ou de outro país teve suas comunicações interceptadas, isso
seria ainda pior que o primeiro vazamento."
Segundo o analista, porém, com o passar do tempo, mesmo
após a substituição de Obama na Casa Branca, é provável que a
autorização prévia se transforme em um procedimento "pro forma" - apenas
para impressionar críticos, sem grandes efeitos práticos.
"O fato é que nenhum presidente tem tempo para analisar
em detalhe cada operação de coleta de informações proposta por uma
agência de inteligência", observa.
"Com o passar do tempo, ao se pesar os riscos de um
vazamento ante o valor da informação a ser coletada, acho que a
tendência será mais em direção ao valor da informação. Vão perceber que
esse tipo de inteligência é muito útil para o governo dos EUA."
Líderes mundiais
O relatório de mais de 300 páginas foi divulgado na semana passada e será a leitura de férias de Obama, que na sexta-feira embarcou com a família para o Havaí. Apenas quando retornar a Washington, no início de janeiro, o presidente deverá anunciar que recomendações pretende adotar.
O relatório de mais de 300 páginas foi divulgado na semana passada e será a leitura de férias de Obama, que na sexta-feira embarcou com a família para o Havaí. Apenas quando retornar a Washington, no início de janeiro, o presidente deverá anunciar que recomendações pretende adotar.
As mudanças em relação à espionagem de líderes
estrangeiros seriam uma resposta aos constrangimentos provocados pelas
revelações, vazadas pelo ex-técnico da NSA Edward Snowden, de que mesmo
chefes de nações aliadas eram alvo da agência.
Quando soube que era alvo de espionagem, a presidente
Dilma Rousseff adiou - ainda sem nova data marcada - a visita de Estado
que faria aos EUA em outubro e exigiu explicações.
Além da presidente, empresas como a Petrobras e milhões
de e-mails e telefonemas de brasileiros também foram espionados pela
NSA. Em seu discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU, em
setembro, Dilma fez duras críticas ao que chamou de "violação de
direitos humanos".
Vários outros líderes mundiais, como a chanceler alemã,
Angela Merkel, também manifestaram indignação ao descobrir que eram
espionados.
No entanto, para Pillar, a polêmica é mais resultado do
vazamento e do fato de a espionagem ter se tornado de conhecimento
público, o que obrigaria os líderes a manifestar repúdio.
"A vasta maioria dos líderes mundiais, ou pelo menos as
pessoas que os aconselham, sabe bem que esse tipo de coleta de
inteligência ocorre", afirma.
"É mais uma questão de como os líderes sentem a
necessidade política de reagir. Mas não afeta a natureza fundamental dos
relacionamentos entre os líderes (e o presidente americano)."
Respostas ao Brasil
O Brasil já afirmou repetidas vezes que continua à espera de uma resposta dos EUA sobre suas ações de espionagem.
O Brasil já afirmou repetidas vezes que continua à espera de uma resposta dos EUA sobre suas ações de espionagem.
Na semana passada, o ex-embaixador americano no Brasil,
Thomas Shannon, disse em palestra em Washington que o relatório é "um
primeiro passo" em um processo maior de revisão de como os EUA conduzem
suas ações de inteligência.
"Os brasileiros estão aguardando com expectativa o que
nós poderemos oferecer e como poderemos avançar", reconheceu Shannon,
que após deixar Brasília se tornou assessor direto do secretário de
Estado americano, John Kerry.
"Não temos esse caminho claro ainda, mas teremos em
algum momento no Ano Novo", afirmou Shannon, em palestra promovida pelo
Brazil Institute do Woodrow Wilson International Center for Scholars.
Shannon disse ainda que o Brasil não tem um serviço de
inteligência do tamanho de suas ambições globais e que isso passa pela
construção de parcerias com serviços globais de inteligência.
Para o diretor do Brazil Institute, Paulo Sotero, a
adoção por parte de Obama das recomendações, sobretudo as que se referem
à privacidade dos cidadãos e ao monitoramento de líderes de países
amigos, poderia abrir caminho para que os Estados Unidos "deem as
respostas que ficaram de dar ao Brasil a respeito do episódio envolvendo
a espionagem de cidadãos, da presidente e de companhias brasileiras".
"Acho que pode abrir espaço inclusive para uma maior cooperação, até em relação a uma troca de inteligência", disse Sotero à BBC Brasil.
Pressão
O relatório foi encomendado por Obama em agosto, após o escândalo provocado pelas revelações feitas por Snowden sobre as ações de espionagem da NSA.
O relatório foi encomendado por Obama em agosto, após o escândalo provocado pelas revelações feitas por Snowden sobre as ações de espionagem da NSA.
A mudança na espionagem de líderes estrangeiros é apenas
uma entre 46 recomendações, que incluem mais fiscalização e algumas
restrições na maneira como a NSA coleta, armazena e analisa informações,
tanto de americanos quanto de estrangeiros.
Para Pillar, é bom ter cautela na análise dos impactos
das mudanças, já que o presidente pode simplesmente não aceitar as
propostas.
Mas divulgação do relatório ocorre em um momento de crescente pressão sobre as ações da NSA.
Na semana passada, um juiz federal de Washington questionou a constitucionalidade dessas ações de espionagem.
Em reunião com Obama, diretores de grandes empresas de
tecnologia, entre elas Google, Yahoo! e Apple, pediram reformas e mais
transparência na vigilância governamental e disseram que os programas da
NSA estão colocando em risco a competitividade americana.
Na ONU, a Assembleia Geral aprovou por consenso um projeto de resolução antiespionagem apresentado por Brasil e Alemanha.
"Os métodos da NSA enfrentam perda de apoio político nos EUA", observa Sotero.
* Colaborou Pablo Uchoa, da BBC Brasil em Washington
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