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A derrubada do presidente Mohammed Morsi e da Irmandade Muçulmana no Egito pode até ter sido comemorado com euforia pelos opositores, mas as celebrações tendem a ter vida curta. Trata-se de um momento perigoso, não apenas para o Egito como também para todo o Oriente Médio.
Depôr um líder islamista democraticamente eleito e suspender a Constituição será interpretada como uma mensagem contundente por islamistas políticos: não compensa escolher o voto em vez da bala.
Aqui há um precedente bem atemorizante, mais exatamente na Argélia. Em 1991, o partido islamista FIS venceu a primeira rodada das eleições. Dias depois, o presidente, sob pressão de Forças Armadas seculares, dissolveu o Parlamento e anulou as eleições.
O movimento islamista da Argélia passou à clandestinidade, e o que se seguiu foi uma década de insurgência que custou a vida de mais de 250 mil pessoas.
Remanescentes desse movimento vivem hoje no deserto do Saara, extorquindo dinheiro, sequestrando e matando reféns.
Situação muito perigosa
O Egito é a terral natal do Islã político, um movimento cujas origens remontam à luta anticolonialista do início do século 20 e que viu seu principal mentor intelectual, Sayyid Qutb, ser torturado na prisão e assassinado em 1966 pelo governo militar do coronel Gamal Abdel Nasser (1918-1970).
Desde então, há um debate recorrente em certos círculos do Islã político sobre se vale mais a pena tentar chegar ao poder de forma legítima através do voto do que optar pela oposição a líderes seculares através da violência e da luta armada pela tomada do poder - corrente defendida, por exemplo, por grupos jihadistas.
Quando a Primavera Árabe depôs o governo corrupto e desacreditado do presidente egípcio Hosni Mubarak em 2011, as eleições o substituíram pela Irmandade Muçulmana, o que representou um duro golpe para a Al-Qaeda e para os jihadistas.
A ascensão de Morsi e de seu partido religioso mostrou, naquela ocasião, que havia um futuro para o Islã político por meios democráticos e pacíficos.
A sucessão de acontecimentos no Cairo nesta semana, por outro lado, tende a pôr em xeque essa lógica.
"Há um temor em relação ao futuro", diz Muna Al-Qazzaz, porta-voz da Irmandade Muçulmana para o Reino Unido.
"Um dos maiores temores (na Irmandade Muçulmana) é de que as pessoas queiram fazer justiça pelas próprias mãos. Milhões votaram por Morsi. Nós pensamos que isso era democracia. Mas agora estamos em uma situação muito perigosa".
Analistas da consultoria de Stratfor Global Intelligence, sediada nos Estados Unidos, concordam.
Embora duvidem que a Irmandade Muçulmana no Egito abandone o caminho da política por vias democráticas, eles preveem: "A saída de Morsi levará integrantes dos grupos ultraconservadores salafistas a largar a política tradicional e optar pelo conflito armado".
A consultoria também aponta para um impacto maior, transnacional: "A derrubada de governo islamista moderado no Egito reduz os esforços internacionais para trazer islamistas radicais para a política tradicional no resto do mundo árabe e muçulmano. Em último caso, dentro do contexto do Egito, a saída de Morsi abre um precedente perigoso uma vez que futuros presidentes podem ser removidos pelos militares quando houver forte pressão popular. Isso não contribui para a estabilidade futura do Egito".
Gatilho potencial
Vale lembrar que as autoridades egípcias lutaram por muito tempo para derrotar uma campanha jihadista violenta que tentava derrubar o governo.
Em 1981, os jihadistas assassinaram o presidente Sadat, e o vice-presidente Mubarak só sobreviveu porque uma granada lançada próximo a ele não explodiu.
Ao longo da segunda metade dos anos 90, houve confrontos constantes entre a polícia e jihadistas, e em 1997 jihadistas egípcios assassinaram 59 turistas nos templos de Luxor.
O atual líder da Al-Qaeda, Ayman Al-Zawahiri, é egípcio. Zawahiri leva o crédito por ter radicalizado Osama Bin Laden em 1990, levando-o a expandir seus horizontes para além de sua animosidade pessoal em relação à presença das tropas americanas na Arábia Saudita e abraçar uma agenda global jihadista.
Atualmente, centenas de jihadistas egípcios se dirigiram à Síria para se juntar a rebeldes islâmicos lutando contra as forças do presidente Bashar al-Assad, enquanto que, em casa, grupos jihadistas egípcios na Península do Sinai aproveitaram o caos instaurado pela Primavera Árabe para aumentar seu arsenal, seu contingente e seu poder.
Se os proponentes de um governo islâmico decidirem que a violência é sua única opção, então os acontecimentos dessa semana poderão ser vistos no futuro como uma espécie de "gatilho".
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