Cristãos estão entre os 1,6 milhão de pessoas que fugiram da Síria
Em meio à sangrenta guerra civil na Síria, grupos minoritários cristãos temem por seu futuro em um país cada vez mais dividido após um conflito que já dura mais de dois anos.
O sírio cristão Yehia Haddad, 45 anos, fala com um ar de preocupação sobre o futuro dele e de sua família. Desde que fugiu para o Líbano vindo de Aleppo, no norte da Síria, há três meses, ele passa os dias entre empregos temporários e acompanhando as notícias sobre a guerra em seu país.
"Na condição de refugiados, é difícil sabermos o que será das nossas vidas. Sinto uma impotência, sinto que, como minoria, os cristãos não terão muito a dizer sobre o futuro da Síria”, desabafou Haddad ao Terra.
Segundo dados da Agência de Refugiados da ONU (Acnur), o total de refugiados sírios já chegou a a quase 1,6 milhão de pessoas, espalhados pelos países vizinhos (Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque, Egito, entre outros). Deste total, 1,3 milhão estão registrados junto à agência das Nações Unidas. No Líbano, são pouco mais de 500 mil, com 426 mil registrados oficialmente junto à ONU.
Não há um número preciso, mas agências humanitárias estimam em cerca de 12 mil cristãos sírios atualmente no Líbano, uma parcela pequena se comparada ao total de refugiados vindos da Síria. O Líbano é um dos poucos países do Oriente Médio que ainda contam com uma significativa comunidade cristã, onde representam cerca de 35% da população de 4,5 milhões.
Morando em uma cidade na região metropolitana de Beirute com sua mulher e dois filhos, Haddad sobrevive com o apoio de entidades que ajudam comunidades cristãs desalojadas por conflito ou que sofrem perseguições, como os iraquianos que fugiram de regiões do Iraque.
"Faço alguns serviços temporários e recebo ajuda de entidades. Minha mulher quer voltar para a Síria, sente falta da nossa casa, dos nossos amigos, dos nossos parentes", disse ele, explicando que o bairro onde morava foi afetado por morteiros e que não sabe se sua casa ainda está inteira.
Fragmentados
Quando iniciou a luta armada contra o governo de Bashar al-Assad, o Exército Livre da Siria (ELS) era composto em sua maioria por soldados desertores e civis voluntários. "Era, até então, um exército de seculares com um único objetivo - derrubar o regime. Cristãos, muçulmanos, conservadores, liberais, seculares formavam a frente rebelde", explicou o professor Fadi al Ahmar, especialista em geopolítica síria da Universidade Espírita de Kaslik.
Mas a oposição armada foi mudando de face em meio ao conflito, segundo Al Ahmar, por conta do aumento da violência, o que levou a uma radicalização de grupos rebeldes e a infiltração de islamistas mais extremistas. "Rebeldes se fragmentaram em diversos grupos, incluindo salafistas e jihadistas, com discursos voltados a uma guerra para derrotar os alauítas e seus apoiadores xiitas no Líbano e Irã”.
Segundo al Ahmar, hoje há duas frentes oposicionistas: o ELS, composto em sua maioria por muçulmanos e cristãos seculares, liberais ou conservadores, e os islamistas, que também incluiriam combatentes estrangeiros.
"A retórica sectária passou a ser usada de forma mais intensa por grupos islamistas, levando o principal grupo de oposição, o ELS, a mostrar preocupação com um futuro pós-Assad, caso, é claro, o regime seja derrubado", explicou o analista ao Terra.
Durante os mais de dois anos do conflito, os lados envolvidos na Síria sempre acusavam uns aos outros de colocarem o futuro das minorias, como os cristãos, em perigo. Embora houvesse discursos de condenação a ataques de todos os lados, a perseguição a cristãos e minorias dá sinais de que acontece em algumas partes da Síria.
"O regime sírio sempre se promoveu como secular e protetor das minorias, acusando as forças rebeldes, ao menos aquelas formadas por islamistas,de realizar ataques a cristãos e igrejas. Por outro lado, figuras importantes dentro da oposição política são cristãos, uma maneira de assegurar sua condição dentro da Síria", salientou al Ahmar.
No entanto, explicou ele, as comundades cristãs não se sentiram protegidas e continuaram a deixar o país com medo de retaliações de ambos os lados, já que nas fileiras do exército rebelde há cristãos combatendo o regime de Assad.
"Com o crescimento de grupos rebeldes islamistas menos atrelados ao comando central do ELS, cristãos temeram por sua existência. Grupos islamistas como o Jabhat al-Nusra, alegadamente atrelado à Al-Qaeda, declarou lei islâmica nos territórios controlados por eles".
Em declarações para a imprensa há dois meses, o escritor sírio cristão Michel Kilo, um esquerdista membro da oposição, disse que um grande número de cristãos nas cidades de Homs e Hamas estão desalojados. Segundo ele, alguns "grupos jihadistas ameaçaram os cristãos na área de al-Ghab, na região central da Síria", e que, "mais ao sul, o grupo Jahbat al-Nusra também fez ameaças a comunidades cristãs, acusando-os de apoiar o regime em Damasco".
Fogo cruzado
Para o professor Fares Ishtay, cientista político da Universidade Libanesa, os cristãos conseguiram no início da guerra se manterem mais ou menos neutros em relação aos lados envolvidos, mas a complexidade do conflito agora afeta todos os cidadãos, de todos os sectos da Síria.
"Além de igrejas atacadas e outros lugares de peregrinação muçulmanos, sequestros de pessoas proeminentes das comunidades se tornaram comuns, levando temeridade especialmente às minorias", explicou Ishtay.
Em abril, os bispos Boulos Yazigi e Youhanna Ibrahim, respectivamente das igrejas Grego-Ortodoxa e Siríaca Ortodoxa, foram sequestrados homens armados em Aleppo. O sequestro dos clérigos gerou revolta e manifestações nas redes sociais entre os cristãos na Síria e no Líbano.
"Os cristãos vivem agora em um fogo cruzado, pegos em um conflito que tomou maiores proporções do que quando começou, uma guerra que se tornou em parte sectária", completou Ishaty
Natural de Homs, o engenheiro George Hanna, 36 anos, fugiu da cidade em agosto do ano passado, quando os combates entre rebeldes e tropas do governo chegaram a um nível “insustentável”, de acordo com suas palavras. "De repente, rebeldes seculares, compostos até por alguns cristãos amigos meus, deram lugar a grupos islamistas com posições conservadoras do Islã. Ficamos em meio a a um fogo cruzado entre extremistas pró e antigoverno", falou ele.
Segundo ele, igrejas passaram a ser atacadas e queimadas como represálias a posições de lideranças cristãs de apoio à oposição ou ao presidente Assad. "Passamos a nos sentir inseguros e, o que foi pior, sem ninguém a quem poderíamos recorrer. A saída foi fugir da Síria".
Hanna vive em um apartamento que alugou para ele, a esposa e a filha em um bairro cristão em Beirute. "Minha mãe é libanesa, então tenho parentes aqui, mas não deixo de pensar nas pessoas que deixei para trás em Homs. O que as minorias estão passando hoje é uma tragédia”.
"Na Síria, entre vizinhos, entre as pessoas em geral, nunca houve sectarismo. Religião era algo que não se perguntava no dia a dia. Os cristãos sempre foram respeitados pelos muçulmanos, eles sempre souberam que as Cruzadas nunca foram aceitas pelas igrejas orientais. Mas a violência na Síria levou algumas pessoas a irracionalidade", desabafou Hanna.
Geopolítica
Para Ishtay, as comunidades cristãs também estão pagando um preço por sua localização estratégica na Síria, concentrados em regiões vitais para ambos os lados do conflito, o que contribuiria para sua situação delicada no país.
"As regiões majoritariamente cristãs de Wadi al-Ouyoun e Wadi al-Nasara, estão localizadas justamente no núcleo do conflito, por aspectos religiosos e econômicos. Estas áreas estão à beira do Rio Orontes, que separa a parte desértica das partes verdes da Síria. É também uma região montanhosa, entre a costa e o interior do país. As áreas alauítas estão na parte litorânea até as montanhas. Os sunitas estão em sua maioria no interior do país. Os cristãos estão situados, fisicamente, no meio do conflito".
Ishtay citou especialistas militares que consideraram vital o controle desta região, que corta a Síria em dois, com as estradas de Aleppo a Hama e Homs e as rotas de Latakia e Tartus. Além disso, segundo o analista, as linhas de distribuição de gás e petróleo vindos do Iraque e Irã para o Meditterâneo passam por esta região.
"Ou seja, quem controlar essas regiões dos cristãos, controla a guerra na Síria. Infelizmente, os cristãos se viram no centro de uma tragédia anunciada".
Em meio à sangrenta guerra civil na Síria, grupos minoritários cristãos temem por seu futuro em um país cada vez mais dividido após um conflito que já dura mais de dois anos.
O sírio cristão Yehia Haddad, 45 anos, fala com um ar de preocupação sobre o futuro dele e de sua família. Desde que fugiu para o Líbano vindo de Aleppo, no norte da Síria, há três meses, ele passa os dias entre empregos temporários e acompanhando as notícias sobre a guerra em seu país.
"Na condição de refugiados, é difícil sabermos o que será das nossas vidas. Sinto uma impotência, sinto que, como minoria, os cristãos não terão muito a dizer sobre o futuro da Síria”, desabafou Haddad ao Terra.
Segundo dados da Agência de Refugiados da ONU (Acnur), o total de refugiados sírios já chegou a a quase 1,6 milhão de pessoas, espalhados pelos países vizinhos (Turquia, Líbano, Jordânia, Iraque, Egito, entre outros). Deste total, 1,3 milhão estão registrados junto à agência das Nações Unidas. No Líbano, são pouco mais de 500 mil, com 426 mil registrados oficialmente junto à ONU.
Não há um número preciso, mas agências humanitárias estimam em cerca de 12 mil cristãos sírios atualmente no Líbano, uma parcela pequena se comparada ao total de refugiados vindos da Síria. O Líbano é um dos poucos países do Oriente Médio que ainda contam com uma significativa comunidade cristã, onde representam cerca de 35% da população de 4,5 milhões.
Morando em uma cidade na região metropolitana de Beirute com sua mulher e dois filhos, Haddad sobrevive com o apoio de entidades que ajudam comunidades cristãs desalojadas por conflito ou que sofrem perseguições, como os iraquianos que fugiram de regiões do Iraque.
"Faço alguns serviços temporários e recebo ajuda de entidades. Minha mulher quer voltar para a Síria, sente falta da nossa casa, dos nossos amigos, dos nossos parentes", disse ele, explicando que o bairro onde morava foi afetado por morteiros e que não sabe se sua casa ainda está inteira.
Fragmentados
Quando iniciou a luta armada contra o governo de Bashar al-Assad, o Exército Livre da Siria (ELS) era composto em sua maioria por soldados desertores e civis voluntários. "Era, até então, um exército de seculares com um único objetivo - derrubar o regime. Cristãos, muçulmanos, conservadores, liberais, seculares formavam a frente rebelde", explicou o professor Fadi al Ahmar, especialista em geopolítica síria da Universidade Espírita de Kaslik.
Mas a oposição armada foi mudando de face em meio ao conflito, segundo Al Ahmar, por conta do aumento da violência, o que levou a uma radicalização de grupos rebeldes e a infiltração de islamistas mais extremistas. "Rebeldes se fragmentaram em diversos grupos, incluindo salafistas e jihadistas, com discursos voltados a uma guerra para derrotar os alauítas e seus apoiadores xiitas no Líbano e Irã”.
Segundo al Ahmar, hoje há duas frentes oposicionistas: o ELS, composto em sua maioria por muçulmanos e cristãos seculares, liberais ou conservadores, e os islamistas, que também incluiriam combatentes estrangeiros.
"A retórica sectária passou a ser usada de forma mais intensa por grupos islamistas, levando o principal grupo de oposição, o ELS, a mostrar preocupação com um futuro pós-Assad, caso, é claro, o regime seja derrubado", explicou o analista ao Terra.
Durante os mais de dois anos do conflito, os lados envolvidos na Síria sempre acusavam uns aos outros de colocarem o futuro das minorias, como os cristãos, em perigo. Embora houvesse discursos de condenação a ataques de todos os lados, a perseguição a cristãos e minorias dá sinais de que acontece em algumas partes da Síria.
"O regime sírio sempre se promoveu como secular e protetor das minorias, acusando as forças rebeldes, ao menos aquelas formadas por islamistas,de realizar ataques a cristãos e igrejas. Por outro lado, figuras importantes dentro da oposição política são cristãos, uma maneira de assegurar sua condição dentro da Síria", salientou al Ahmar.
No entanto, explicou ele, as comundades cristãs não se sentiram protegidas e continuaram a deixar o país com medo de retaliações de ambos os lados, já que nas fileiras do exército rebelde há cristãos combatendo o regime de Assad.
"Com o crescimento de grupos rebeldes islamistas menos atrelados ao comando central do ELS, cristãos temeram por sua existência. Grupos islamistas como o Jabhat al-Nusra, alegadamente atrelado à Al-Qaeda, declarou lei islâmica nos territórios controlados por eles".
Em declarações para a imprensa há dois meses, o escritor sírio cristão Michel Kilo, um esquerdista membro da oposição, disse que um grande número de cristãos nas cidades de Homs e Hamas estão desalojados. Segundo ele, alguns "grupos jihadistas ameaçaram os cristãos na área de al-Ghab, na região central da Síria", e que, "mais ao sul, o grupo Jahbat al-Nusra também fez ameaças a comunidades cristãs, acusando-os de apoiar o regime em Damasco".
Fogo cruzado
Para o professor Fares Ishtay, cientista político da Universidade Libanesa, os cristãos conseguiram no início da guerra se manterem mais ou menos neutros em relação aos lados envolvidos, mas a complexidade do conflito agora afeta todos os cidadãos, de todos os sectos da Síria.
"Além de igrejas atacadas e outros lugares de peregrinação muçulmanos, sequestros de pessoas proeminentes das comunidades se tornaram comuns, levando temeridade especialmente às minorias", explicou Ishtay.
Em abril, os bispos Boulos Yazigi e Youhanna Ibrahim, respectivamente das igrejas Grego-Ortodoxa e Siríaca Ortodoxa, foram sequestrados homens armados em Aleppo. O sequestro dos clérigos gerou revolta e manifestações nas redes sociais entre os cristãos na Síria e no Líbano.
"Os cristãos vivem agora em um fogo cruzado, pegos em um conflito que tomou maiores proporções do que quando começou, uma guerra que se tornou em parte sectária", completou Ishaty
Natural de Homs, o engenheiro George Hanna, 36 anos, fugiu da cidade em agosto do ano passado, quando os combates entre rebeldes e tropas do governo chegaram a um nível “insustentável”, de acordo com suas palavras. "De repente, rebeldes seculares, compostos até por alguns cristãos amigos meus, deram lugar a grupos islamistas com posições conservadoras do Islã. Ficamos em meio a a um fogo cruzado entre extremistas pró e antigoverno", falou ele.
Segundo ele, igrejas passaram a ser atacadas e queimadas como represálias a posições de lideranças cristãs de apoio à oposição ou ao presidente Assad. "Passamos a nos sentir inseguros e, o que foi pior, sem ninguém a quem poderíamos recorrer. A saída foi fugir da Síria".
Hanna vive em um apartamento que alugou para ele, a esposa e a filha em um bairro cristão em Beirute. "Minha mãe é libanesa, então tenho parentes aqui, mas não deixo de pensar nas pessoas que deixei para trás em Homs. O que as minorias estão passando hoje é uma tragédia”.
"Na Síria, entre vizinhos, entre as pessoas em geral, nunca houve sectarismo. Religião era algo que não se perguntava no dia a dia. Os cristãos sempre foram respeitados pelos muçulmanos, eles sempre souberam que as Cruzadas nunca foram aceitas pelas igrejas orientais. Mas a violência na Síria levou algumas pessoas a irracionalidade", desabafou Hanna.
Geopolítica
Para Ishtay, as comunidades cristãs também estão pagando um preço por sua localização estratégica na Síria, concentrados em regiões vitais para ambos os lados do conflito, o que contribuiria para sua situação delicada no país.
"As regiões majoritariamente cristãs de Wadi al-Ouyoun e Wadi al-Nasara, estão localizadas justamente no núcleo do conflito, por aspectos religiosos e econômicos. Estas áreas estão à beira do Rio Orontes, que separa a parte desértica das partes verdes da Síria. É também uma região montanhosa, entre a costa e o interior do país. As áreas alauítas estão na parte litorânea até as montanhas. Os sunitas estão em sua maioria no interior do país. Os cristãos estão situados, fisicamente, no meio do conflito".
Ishtay citou especialistas militares que consideraram vital o controle desta região, que corta a Síria em dois, com as estradas de Aleppo a Hama e Homs e as rotas de Latakia e Tartus. Além disso, segundo o analista, as linhas de distribuição de gás e petróleo vindos do Iraque e Irã para o Meditterâneo passam por esta região.
"Ou seja, quem controlar essas regiões dos cristãos, controla a guerra na Síria. Infelizmente, os cristãos se viram no centro de uma tragédia anunciada".
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